Causas supervenientes desequilibradoras da equação econômico-financeira contratual

Quando sobrevêm eventos extraordinários, imprevistos e imprevisíveis, onerosos, retardadores ou impeditivos da execução do contrato, a parte atingida fica liberada dos encargos originários, e o ajuste há de ser revisto ou rescindido, pelaaplicação da teoria da imprevisão, provinda da cláusula rebus sic stantibus, nos seus desdobramentos de força maior, caso fortuito, fato príncipe, fato da administração.

Teoria da imprevisão

Segundo os autores administrativistas, foram as situações de difícil cumprimento das disposições contratuais, geradas pela Primeira Guerra Mundial, que acabaram por produzir no direito a denominada cláusula rebus sic stantibus, com denominação de teoria da imprevisão.

Segundo essa teoria, fatos imprevisíveis, anormais, fora de cogitação dos contratantes, que tornam o cumprimento do contrato ruinoso para uma das partes, criam uma situação que não pode ser suportada unicamente pelo contratante prejudicado e impõem imediata revisão do ajuste.

Assim, justifica-se a revisão econômico-financeira do contrato administrativo sempre que uma circunstância superveniente, extraordinária e imprevisível comprometer o equilíbrio do contrato administrativo, tendo desta forma que ocorrer a recomposição dos interesses pactuados, para adequá-los à nova realidade.

Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro, teoria da imprevisão incide sobre: “todo acontecimento externo ao contrato, estranho à vontade das partes, imprevisível e inevitável, que causa um desequilíbrio muito grande, tornando a execução do contrato excessivamente onerosa para o contratado”.

Segundo o sempre citado Helly Lopes Meirelles:

A teoria da imprevisão consiste no reconhecimento de que eventos novos, imprevistos e imprevisíveis pelas partes e a elas não imputáveis, refletindo sobre a economia ou a execução do contrato, autorizam sua revisão, para ajusta-los às circunstâncias supervenientes.

Já para José dos Santos Carvalho Filho, o efeito da teoria da imprevisão esta calcado em duas vertentes:

Se a parte prejudicada não puder cumprir, de nenhum modo, as obrigações contratuais, dar-se-á a rescisão sem atribuição de culpa. Se o cumprimento for possível, mas acarretar ônus para a parte, terá esta direito à revisão do preço para restaurar o equilíbrio rompido.

Nesse sentido, a teoria da imprevisão é plenamente aceita em nossa doutrina, na seara dos contratos administrativos, e consiste em uma forma de atenuação do princípio da força obrigatória dos contratos, garantindo que circunstâncias fáticas que tornem excessivo e oneroso o cumprimento do contrato para alguma das partes permitam a sua alteração, voltando a existir o equilíbrio necessário à satisfação do acordo.

Assim, para que seja possível a aplicação da Teoria da Imprevisão, com a alteração ou extinção do contrato, faz-se necessária a concorrência dos seguintes elementos:

a) ocorrência de fato excepcional, imprevisto ou imprevisível;

b) oneração excessiva de uma das partes em vista do acontecimento;

c) que a parte excessivamente onerada não tenha dado causa ao fato.

Por fim, cumpre referir que o fundamento da revisão do contrato esta explicitado na alínea d do inciso II do Art. 65 da Lei Nacional de Licitações e Contratos Públicos:

d) para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da Administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobreviverem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de conseqüências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual.

Portanto, em havendo fato novo durante a execução contratual que modifique sua equação econômico-financeira, a avença pode e deve ser reequilibrada aos moldes iniciais pactuados.

Caso fortuito e força maior

Caso fortuito e força maior são eventos que, por sua imprevisibilidade e inevitabilidade, criam para o contratado a impossibilidade intransponível de normal execução do contrato.

Nesse sentido, reza o art. 78, inciso XVII da Lei nº. 8.666/93:

Art. 78. Constituem motivo para rescisão do contrato: […]; XVII – a ocorrência de caso fortuito ou de força maior, regularmente comprovada, impeditiva da execução do contrato.

Assim, caso fortuito e força maior são situações de fato que redundam na impossibilidade de serem cumpridas as obrigações contratuais.

O caso fortuito decorre de eventos da natureza, como catástrofes, ciclones, tempestades anormais. Já a força maior é resultado de um fato causado, de alguma forma, pela vontade humana, como é o clássico exemplo da greve.

Ocorrendo tais situações, rompe-se o equilíbrio contratual, porque uma das partes passa a sofrer um encargo extremamente oneroso, não tendo dado causa para tanto. Desta forma, é evidente que será impossível exigir-se dela o cumprimento da obrigação, até porque essa exigência seria incompatível com a cláusula rebus sic stantibus.

Como é corrente na doutrina, o impedimento resultante de força maior ou de caso fortuito não é apenas o obstáculo físico, mas todo e qualquer óbice instransponível à realização do ajuste, dentro dos esforços exigíveis das partes. O essencial é, portanto, que possua caráter impeditivo absoluto do cumprimento das obrigações assumidas, o que não ocorre, por exemplo, com a simples dificuldade, facilmente superável, ou com maior onerosidade de que não resulte prejuízo extraordinário, pois em todo negócio são de esperar-se áleas e riscos próprios do empreendimento.

Diante disso, ocorrendo um evento retardador ou impeditivo do contrato que se enquadre no conceito de força maior ou caso fortuito, previsto no art. 393, parágrafo único do Código Civil, o qual diz:

Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.

Poderá a parte invocá-lo para eximir-se das conseqüências da mora ou para obter a rescisão do ajuste, sem qualquer indenização, cabendo-lhe o ônus da prova. Todavia a força maior ou o caso fortuito só são invocáveis como causas justificadoras da inexecução do contrato quando não tiver havido culpa da parte.

Fato príncipe e fato da administração

Primeiramente, cumpre esclarecer que alguns autores, como Maria Sylvia Zanella Di Pietro, entendem que há distinção, mediante contornos bem delimitados, entre fato príncipe e fato da administração, distinção essa que, na trilha do pensamento de Marçal Justen Filho, considera-se irrelevante.

Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

O fato da administração distingue-se do fato príncipe, pois, enquanto o primeiro se relaciona diretamente com o contrato, o segundo é praticado pela autoridade, não como parte no contrato, mas como autoridade pública que, como tal, acaba por praticar um ato que, reflexamente, repercute sobre o contrato.

Já Marçal Justen Filho entende que:

Os casos de fato príncipe provocam a rescisão, podendo não caracterizar inadimplemento da Administração, mas sempre provocando responsabilidade civil do Estado. A modificação promovida pelo Estado torna impossível a continuidade da execução do contrato. Logo, nenhuma das partes deixa de cumprir seus deveres. Sob esse ângulo, a rescisão não importa direito a indenização por perdas e danos perante outra parte contratante. Porém, o particular terá direito a pleitear a indenização contra a pessoa de direito público que editou as regras que tornam impossível o cumprimento do contrato. Eventualmente, a pessoa pública responsável pela edição da regra é a mesma que participa do contrato com o particular. Já o fato da administração caracteriza inadimplemento e atribui ao particular o direito a indenização por perdas e danos.

Sendo assim, entende-se por fato príncipe a determinação estatal, de caráter geral, que afeta todos os administrados, e que, mesmo não estando ligada diretamente ao contrato, implica a impossibilidade de sua normal realização.

De outro lado, o fato da administração se caracteriza pela atividade estatal dirigida diretamente ao contrato, impedindo a sua realização nas condições avençadas, como quando o Estado contrata a reforma de um prédio e não entrega o imóvel para que o contratado realize a obra.

Hely Lopes Meirelles leciona que fato príncipe é:

toda determinação estatal, positiva ou negativa, imprevista ou imprevisível, que onera substancialmente a execução do contrato administrativo. Essa oneração, constituindo uma álea administrativa extraordinária e extracontratual, desde que intolerável e impeditiva da execução do ajuste, obriga o poder público contratante a compensar integralmente os prejuízos suportados pela outra parte, a fim de possibilitar o prosseguimento da execução, e, se esta for impossível, rende ensejo à rescisão do contrato, com as indenizações cabíveis.

Já fato da administração, para Hely Lopes Meirelles, é:

Toda a ação ou omissão do Poder Público que, incidindo direta e especificadamente sobre o contrato, retarda ou impede sua execução. O fato da administração equipara-se à força maior e produz os mesmos efeitos excludentes da responsabilidade do particular pela inexecução do ajuste.

Cite-se, a título de exemplo de fato príncipe, uma decisão político econômica do governo federal (Ex: Plano real) que afetou todos os contratos em geral; de fato da administração, uma decisão do contratante de suspender temporariamente a execução do contrato, ou de alterar a sua forma de execução contratada.

Sendo assim, tanto os efeitos do fato príncipe quanto do fato da administração acabam por ser os mesmos, pois ambos atribuem ao particular o direito de ser indenizado, mesmo por perdas e danos, ainda que, conforme aduz Marçal Justen Filho, o dever de indenizar não seja necessariamente da Administração, contratante, já que o responsável pelo fato pode pertencer a outro ente da Federação, não sendo útil, portanto, a distinção doutrinária nessas situações.

Mauricio Gazen

OAB/RS 71.456

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