1. Para participação em licitação regida pela Lei 8.666/1993, o microempreendedor individual (MEI) deve apresentar, quando exigido para fins de qualificação econômico-financeira, o balanço patrimonial e as demonstrações contábeis do último exercício social (art. 31, inciso I, da Lei 8.666/1993), ainda que dispensado da elaboração do referido balanço pelo Código Civil (art. 1.179, § 2º, da Lei 10.406/2002).
Representação formulada ao TCU apontou possíveis irregularidades no Pregão Eletrônico 88/2021, promovido pelo Segundo Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo (Cindacta II), cujo objeto era a celebração de contrato de prestação de serviços de administração e gerenciamento de frota para a manutenção preventiva e corretiva de veículos e equipamentos, com vigência inicial de doze meses, podendo ser prorrogado, por interesse das partes, até o limite de sessenta meses. Entre as irregularidades suscitadas, mereceu destaque o fato de o edital, em sua cláusula 9.12.2, dispensar o microempreendedor individual que pretendesse auferir os benefícios do tratamento diferenciado previsto na LC 123/2006 da apresentação do balanço patrimonial e das demonstrações contábeis do último exercício. Segundo a representação, cláusula com idêntico teor constava do modelo de editais elaborado pela Advocacia-Geral da União. Em sua instrução, a unidade técnica considerou não haver justificativas para a dispensa, em relação ao microempreendedor individual, do balanço patrimonial e das demonstrações contábeis do último exercício. Deduziu a unidade de instrução que a dispensa seria decorrente do teor do art. 1.179, § 2º, do Código Civil, c/c o art. 68 da LC 123/2006 e o art. 106, inciso I e § 1º, da Resolução CGSN 140/2018, que, em síntese, dispensa o microempreendedor individual da elaboração do balanço patrimonial, bem como da escrituração dos livros fiscais e contábeis. No entanto, acrescentou que a LC 123/2006, ao tratar das aquisições públicas, “embora estabeleça tratamento diferenciado e favorecido às microempresas e empresas de pequeno porte, não as exclui da obrigação de comprovarem os requisitos de qualificação econômica definidos em editais de licitações”. Frisou ainda que a Lei 8.666/1993 determina que “toda e qualquer empresa deve cumprir alguns requisitos, apresentando documentos que comprovem qualificação técnica, regularidade fiscal e trabalhista, qualificação econômico-financeira e habilitação jurídica. A qualificação econômico-financeira serve para demonstrar que a empresa tem boa saúde financeira. E, para isso, o principal documento comprobatório para verificar as finanças da empresa é o balanço patrimonial”. E arrematou: “Portanto, ainda que o MEI esteja dispensado da elaboração do balanço patrimonial, para participação em licitação pública, regida pela Lei 8666/1993, quando exigido para fins de comprovação de sua boa situação financeira, deverá apresentar o balanço patrimonial e demonstrações contábeis do último exercício social, já exigíveis e apresentados na forma da lei, conforme previsto no art. 31, inciso I, da Lei 8666/1993”. Considerando que o certame se encontrava em andamento e que as duas empresas que apresentaram propostas não são MEI, não havendo, portanto, nenhum impacto à licitação, e considerando também que a cláusula 9.12.2 do edital seguiu modelo de idêntico teor disponibilizado pela AGU em seu sítio na internet, a unidade instrutiva propôs tão somente cientificar aqueles órgãos acerca da irregularidade identificada. Em seu voto, o relator concordou com o entendimento da unidade técnica. Para corroborar sua posição, trouxe à colação o Acórdão 5221/2016-TCU-2ª Câmara, por meio do qual o Tribunal decidira “determinar ao Comando Logístico do Exército que, nos seus procedimentos licitatórios, observe que as microempresas e as empresas de pequeno porte somente devem ser liberadas da apresentação do balanço patrimonial do último exercício se o certame envolver fornecimento de bens para pronta entrega, conforme previsto no art. 3º do Decreto nº 8.538, de 6 de outubro de 2015”. Assim sendo, nos termos da proposta do relator, o Plenário decidiu dar ciência à AGU e ao Cindacta II que, “para participação em licitação pública, regida pela Lei 8666/1993, o MEI, mesmo que esteja dispensado da elaboração do balanço patrimonial, deverá apresentar, quando exigido para fins de comprovação de sua boa situação financeira, o referido balanço e as demonstrações contábeis do último exercício social, conforme previsto no art. 31, inciso I, da Lei de Licitações”.
Acórdão 133/2022 Plenário, Representação, Relator Ministro Walton Alencar Rodrigues.
2. O TCU, embora não tenha poder para anular ou suspender diretamente a execução de contratos administrativos, tem competência para determinar à autoridade administrativa que adote tais medidas (art. 71, inciso IX, da Constituição Federal).
Representação formulada ao TCU apontou supostas irregularidades no Pregão Eletrônico para Registro de Preços 3/2021, conduzido pela Secretaria de Gestão e Ensino em Segurança Pública do Ministério da Justiça e Segurança Pública, tendo por objeto a aquisição de solução de inteligência em fontes abertas, mídias sociais, deep e dark web, compreendendo fornecimento, instalação, configuração e suporte técnico, a fim de atender as necessidades operacionais do ministério. Presentes os requisitos autorizadores, o Tribunal expediu, por meio do item 9.2 do Acórdão 2.678/2021-Plenário, medida cautelar para suspender o andamento do mencionado pregão, “bem como os atos dele decorrentes, até que o Tribunal delibere sobre o mérito da matéria em apreço”. Ciente da medida, a União, representada pela Advocacia-Geral da União, opôs embargos de declaração sustentando que a deliberação recorrida estaria eivada de erro de fato, pois o contrato decorrente do Pregão Eletrônico 3/2021 teria sido assinado previamente à expedição da medida cautelar. Assim, a AGU solicitou o reconhecimento da invalidade do provimento cautelar em razão de ter sido adotado sob premissa equivocada, recaindo a cautelar sobre objeto que não mais existiria. Em acréscimo, a AGU sustentou a ausência de competência do TCU para sustar contrato administrativo, nos termos do art. 71, inciso X, da Constituição Federal. Em seu voto, o Ministro Bruno Dantas destacou que “quando foi proferida a deliberação embargada, a informação até então disponível nos autos era a de que o Pregão Eletrônico 3/2021 havia sido adjudicado e homologado. Ainda assim, considerando a possibilidade de se ter dado andamento à contratação, a determinação cautelar já previa que fosse suspensa, também, a execução de atos decorrentes do pregão. Dessa forma, cabe esclarecer que, uma vez já assinado o contrato, a medida cautelar passa a incidir sobre os procedimentos subsequentes – ou seja, a execução contratual –, sendo vedada qualquer ordem de serviço ou pagamento posterior à sua adoção, sob pena de sanção por descumprimento de determinação do TCU”. Quanto ao argumento da AGU sobre os limites da competência do Tribunal, o relator ressaltou: “embora não tenha poder para anular ou sustar contratos diretamente, esta Corte tem competência constitucional (art. 71, inciso IX) para determinar à autoridade administrativa que promova a anulação da licitação e, se for o caso, do contrato que dela se originou”, deixando claro que a jurisprudência do TCU, a exemplo dos Acórdãos 2.105/2008 e 2.343/2009, ambos do Plenário, e do STF, no âmbito do MS 23.550/DF, trazido pela própria AGU em suas razões recursais, amparavam o seu posicionamento. Dessa forma, concluiu que “no caso concreto, eventual declaração de nulidade da licitação poderá resultar na determinação para que o Ministério da Justiça e Segurança Pública anule o contrato, nos termos do art. 49, § 2º, da Lei 8.666/1993. De maneira análoga, o poder de cautela do Tribunal, já confirmado pelo Supremo Tribunal Federal em diversas oportunidades, tem o condão de produzir efeitos sobre contratos administrativos por meio de determinação ao órgão responsável para que adote medidas no sentido de suspender a execução contratual a fim de mitigar o risco de agravamento de lesão ao erário, ao interesse público ou de ineficácia da decisão de mérito desta Corte”. Ao final, o Plenário acolheu parcialmente os embargos a fim de proferir os esclarecimentos consignados no voto do relator e para que a redação do item 9.2 do Acórdão 2.678/2021-Plenário contasse com a seguinte redação: “com fundamento no art. 276 do Regimento Interno do TCU, adotar medida cautelar para que o Ministério da Justiça e Segurança Pública promova medidas no sentido de suspender a execução do Contrato 63/2021 no estado em que se encontre, vedada a assinatura de qualquer ordem de serviço ou a realização de qualquer pagamento, até que o Tribunal delibere sobre o mérito da matéria em apreço”.
Acórdão 81/2022 Plenário, Embargos de Declaração, Relator Ministro Bruno Dantas.