É consabido que o encadeamento excessivo burocrático nos procedimentos administrativos em geral e, especialmente em sede de procedimento licitatório, como regra, representa uma insegurança do agente público no tocante às normativas legais incidentes. Na dúvida criam-se formalidades dispensáveis as quais postergam ou mesmo afastam a efetividade na administração pública.
Em se tratando de julgamento licitatório não se pode sobrepor os meios aos fins, quando se transforma o competitório em um concurso de obstáculos formais, onde vence o “mais esperto” e não a MELHOR PROPOSTA.
Não é esse o comando principiológico, nem ético-moral da licitação pública. Fácil é ver-se, pois, que as licitações públicas não podem servir de entremeios de armadilhas a dificultar seu objeto finalístico – auferir o melhor contrato ao interesse público através de amplo competitório entre particulares.
O ato administrativo julgador eivado de rigorismo por vezes acarreta efeito contrário aos próprios fins buscados pela via licitatória – o da ampla competição entre particulares para a melhor oferta aquele contrato de interesse público.
O formalismo exacerbado revela sempre excesso de zelo, onde está a faltar a razoabilidade e a proporcionalidade indispensáveis aos atos administrativos.
Sabe-se, que o princípio da razoabilidade há também que ser observado nos decisuns, em especial no Direito Administrativo, como de resto em todo o Direito.
Diogo de Figueiredo Moreira Neto, assim se manifesta sobre a razoabilidade nas decisões administrativas, com a profundidade que lhe é peculiar:
A superação do formalismo axiológico e do mecanismo decisorial fica a dever a lógica do razoável, que pôs em evidência que o aplicador da Lei, seja o administrador, seja o juiz, não pode desligar-se olimpicamente do resultado de sua decisão e entender que cumpriu o seu dever com a simples aplicação silogística da lei aos fatos.
À luz da razoabilidade, o Direito, em sua aplicação administrativa ou jurisdicional contenciosa, não se exaure num ato puramente técnico, neutro e mecânico; não se esgota no racional nem prescinde de valorações e de estimativas: a aplicação da vontade da Lei se faz por atos humanos.”.
Nesse sentido, lapidares e oportunas às ponderações de Cintra, Grinover e Dinamarco, aplicáveis ao processo administrativo, que devem ser levadas em conta nas resoluções de questões como a questionada, verbis:
“A experiência secular demonstrou que as exigências legais, quanto a forma devem atender critérios racionais, lembrada sempre a finalidade com que são impostas e evitando-se o culto das formas como se elas fossem um fim em si mesmas”.
Já, o mestre do Direito Público, Celso Ribeiro Bastos, se pronuncia sobre a impossibilidade de uma solução rígida e eficaz, para adequadamente atender de modo perfeito à finalidade da lei, reforçando, sobremaneira, a sustentação desse princípio da razoabilidade:
“Trata-se de importante princípio que hoje se estende a outros ramos do direito, inclusive na feitura das leis. Consiste na exigência de que estes atos não sejam apenas praticados com o respeito aos ditames quanto a sua formação e execução, mas que também guardem no seu conteúdo uma decisão razoável entre as razões que o ditaram e os fins que se procura atingir. O direito , aliás, é um instrumento que requer fundamentalmente a razoabilidade. (….) Eis por que tem que haver, razoabilidade, adequação, proporcionalidade entre as causas que estão ditando o ato e as medidas que vão ser tomadas. (….) É um princípio a informar todos os atos de exercício da potestade administrativa”.
Compreende-se, então que os fins da conduta administrativa têm que ser dotados de razoabilidade e justiça e não necessariamente de rigor formalista, pois a desrazão da conduta afasta-a da juridicidade obrigatória para a Administração Pública, no cumprimento às suas finalidades de interesse público.
Já o princípio da proporcionalidade, traz consigo a indispensabilidade do ato administrativo estar revestido de uma ponderação específica, importando isso na proibição do excesso. Essa condição de proporção torna-se, assim, condição de legalidade.
O razoável é o veículo da idéia da proporcionalidade. Esse princípio está estampado na própria Lei das Licitações no seu art. 3º – como um dos princípios correlatos.
Há precedentes jurisprudenciais que amparam a não sobreposição dos meios aos fins em julgamentos licitatórios em geral. Ressalte-se no caso, o amparo legal a tal posição que deflui do §3º do art. 43 da Lei 8666/93:
“Qualquer interpretação que seja feita deve sempre buscar a orientação por critérios lógicos, razoáveis. O Tribunal de Justiça do Estado julgou caso semelhante, onde restou examinada a questão de autenticação em fotocópias:
“Permitido que a Comissão determine diligências, a fim de esclarecer ou complementar a instrução do processo, máxime se, quando da apresentação das propostas, é justificada a irregularidade (art. 43, § 3º da Lei 8666/93. Ademais, a mera ausência de autenticação em fotocópias não possui força para impedir a habilitação caso não se alegar ou justificar que o documento não corresponde ao original, ou demonstre que encerra inexatidões. Mandado de Segurança denegado”.
Inclusive vale transcrever partes do voto do ilustre Desembargador- Relator:
“Na verdade, os documentos foram apresentados e a pretensa irregularidade não enseja falta de um dos requisitos para participar do certame.
“Este elemento é de realce, eis que o importante não é o formalismo por si mesmo, mas com o fim de considerar a autenticidade dos documentos.
“De outra parte, como se não bastassem os argumentos acima, de referir que o item 7.4 do edital não constitui causa de inabilitação ou desclassificação a irregularidade formal que não afete o conteúdo ou a idoneidade do documento.”
Ou, conforme ensina a Profª. Sylvia Di Pietro:
“em matéria de licitação, como o objetivo é o de atrair o maior número de interessados, deve-se adotar interpretação que favoreça a consecução desse objetivo, tirando-se qualquer margem de discricionariedade da Administração Pública no que diz respeito à possibilidade de rejeitar possíveis licitantes”. (in Temas Polêmicos sobre Licitações e Contratos, 22ªEd. Editora Malheiros.1995,p.112)
Nesse quadro a exclusão de licitante por equívocos ou lapsos meramente adjetivos no contexto competitório afronta a busca da melhor oferta. Nesse propósito, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que:
“o procedimento licitatório há que ser o mais abrangente possível, a fim de possibilitar a escolha da proposta maios vantajosa. Não deve ser afastado candidato do certame licitatório por meros detalhes formais. No particular, o ato administrativo deve ser vinculado ao princípio da razoabilidade, afastando-se de produzir efeitos sem caráter substancial”.
No mesmo diapasão, a decisão proferida no Mandado de Segurança nº 5.606-DF, a cujo teor transcrevemos:
“as regras do edital de procedimento licitatório devem ser interpretadas de modo que, sem causar qualquer prejuízo à administração e aos interessados no certame, possibilitem a participação do maior numero possível de concorrentes, a fim de que seja possibilitado se encontre, entre várias propostas, a mais vantajosa.”
O Tribunal de Contas da União já firmou posição sobre o excesso de formalismo nos julgamentos de licitações:
“o rigor formal não pode ser exagerado ou absoluto. Como adverte o já citado Hely Lopes Meirelles, o princípio do procedimento formal não significa que a Administração deva ser formalista a ponto de fazer exigências inúteis ou desnecessárias à licitação, como também não quer dizer que se deva anular o procedimento ou julgamento, ou inabilitar licitantes, ou desclassificar propostas, diante de simples omissões ou irregularidades na documentação ou na proposta…”
E seguem as decisões dos Tribunais, bem compreendendo a questão com a precisão devida, evitando-se a proliferação de decisões administrativas que sobrepõem os meios aos fins, contrariamente ao melhor direito:
“Não há nulidade sem dano, simples irregularidades não autorizam anulação, quando dessas irregularidades argüidas não resultou prejuízo”
“Visa a licitação pública a fazer com que o maior número de licitantes se habilitem para o objetivo de facilitar aos órgãos públicos a obtenção de coisas e serviços mais convenientes aos seus interesses. Em razão desse escopo, exigências demasiadas e rigorismos inconsentâneos com a boa exegese da Lei devem ser arredados”
“A Lei nº 4.717/65 condiciona a declaração de nulidade dos atos administrativos a conjugação de dois requisitos: a irregularidade e a lesão ao Estado. Irregularidades formais – meros pecados veniais que não comprometem o equilíbrio entre os licitantes, nem causam prejuízos ao Estado – não conduzem a declaração de nulidade”.
Então, se o julgamento deixou de considerar o sentido finalístico do instituto, e somente se ampara e rigor formal absolutamente despiciendo diante de provas documentais nos autos, fica comprovado é a desconformação à legalidade do decisum.
Ainda, tocantemente, a razoabilidade que deve nortear a aplicação da norma no caso in concreto, acrescente-se as advertências do insigne jurista Adilson Abreu Dallari:
“Não deve o intérprete e aplicador do direito restringir-se ou satifazer-se com a mera literalidade, mas deve sempre valer-se do método lógico sistemático ou da interpretação teleológica“
Também, busca-se novamente aqui amparo na obra do brilhante jurista paranaense Marçal Justen Filho, que traça, com a precisão que lhe é peculiar, a linha de objetividade que deve nortear o julgamento das licitações:
“O exame da admissibilidade da proposta faz-se tanto sob óptica formal como material, tendo em vista as exigências da Lei e do ato convocatório. Do ponto de vista formal, deve-se verificar se a proposta atendeu ao modelo devido. Ou seja, examina-se se contém aquilo que é obrigatório e se omitiu aquilo que é proibido, adotando a forma adequada. O exame formal deve ser formulado à luz do princípio fundamental de que a forma não é um fim em si mesmo”.
O ato de interpretar qualquer dispositivo de lei, então, impõe ao intérprete o caminhar pelo percurso que se projeta a partir dela, visualizando teleologicamente os fins buscados pela mesma.
Não obstante, é importante lembrar que o TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO já firmou posição sobre o excesso de formalismo nos julgamentos de licitações, vejamos:
“(…) o rigor formal não pode ser exagerado ou absoluto. Como adverte o já citado Hely Lopes Meirelles, o princípio do procedimento formal não significa que a Administração deva ser formalista a ponto de fazer exigências inúteis ou desnecessárias à licitação, como também não quer dizer que se deva anular o procedimento ou julgamento, ou inabilitar licitantes, ou desclassificar propostas, diante de simples omissões ou irregularidades na documentação ou na proposta…”
Em julgado esclarecedor, o TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO posicionou-se quanto a interpretação extremamente restrita do Edital, que afasta proposta mais vantajosa para Administração, quando uma simples intervenção corretiva poderia solver o problema.
É indevida a desclassificação, fundada em interpretação extremamente restritiva do edital, de proposta mais vantajosas para a Administração, que contém um único item, correspondente a uma pequena parcela do objeto licitado, com valor acima do limite estabelecido pela entidade.
Para o relator, o procedimento cabível, portanto, seria a correção do valor do item que dera ensejo à desclassificação da proposta da representante, o que importa no melhor atendimento do interesse público, por selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração, sem desrespeitar a obrigatoriedade de vinculação ao instrumento convocatório.
Deflui de todo o antes examinado, o amparo anterior (doutrinário, jurisprudencial e legal) o direito público subjetivo dos licitantes, em ver o julgamento licitatório dar-se dentro da melhor técnica aplicável no sentido finalístico de angariar o melhor contrato ao interesse público.
Giovani Gazen