O Governo do Rio Grande do Sul declarou estado de calamidade pública devido às intensas chuvas que atingem o Estado desde abril de 2024. O Decreto 57.600/2024, que oficializou a calamidade, foi reconhecido pelo Congresso Nacional e publicado em 7 de maio como Decreto Legislativo nº 36, com validade até 31 de dezembro de 2024.
O Governo Federal, por meio do Ministério da Integração, emitiu a Portaria nº 1384 em 6 de maio de 2024, estabelecendo medidas e procedimentos para a liberação imediata de recursos federais para socorro e assistência às vítimas dos desastres no Rio Grande do Sul.
Embora a atuação da sociedade civil seja fundamental, o apoio do Poder Público Federal é essencial para a reconstrução, necessitando uma coordenação com os governos estaduais e municipais e a sociedade em geral para enfrentar os grandes desafios.
Além disso, o Governo Federal publicou a Medida Provisória nº 1219/2024 para criar um auxílio financeiro às vítimas e a Medida Provisória nº 1220/2024 para estabelecer o Ministério Extraordinário para Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul, encarregado das ações de administração pública federal.
Diante das calamidades recentes, a atuação da sociedade civil e de voluntários tem sido crucial, mas o Poder Público deve atuar conjuntamente para auxiliar as milhares de pessoas afetadas.
Para isso, são necessárias ações administrativas para recuperar estruturas, adquirir alimentos e outros bens, contratar prestadores de serviços, alugar espaços, entre outras necessidades urgentes. Em muitos casos, será indispensável que os órgãos públicos recorram à dispensa emergencial para contratar diretamente e atender essas necessidades.
A legislação brasileira permite tal flexibilidade em situações de emergência ou calamidade pública, onde a urgência é crítica, todavia também se faz necessário medidas excepcionais para o enfrentamento desse enorme desafio.
Nesse sentido, foi publicado em 17 de maio de 2024 a Medida Provisória nº 1.221, a qual trata do regime excepcional de contratações pela Administração em caso de calamidade pública.
Tal medida dispõe sobre medidas excepcionais para a aquisição de bens e a contratação de obras e de serviços, inclusive de engenharia, destinados ao enfrentamento de impactos decorrentes de estado de calamidade pública.
Os requisitos necessários para utilização dessa importante ferramenta pelo gestor público são (i) declaração de calamidade pública e (ii) ato específico do Poder Executivo federal ou do Chefe do Poder Executivo do Estado ou do Distrito Federal, com a autorização para aplicação das medidas excepcionais e a indicação do prazo dessa autorização.
Dentre as diversas flexibilizações trazidas nessa importante e necessária medida provisória, podemos destacar:
- PROPOSTAS E LANCES: REDUÇÃO DE PRAZOS MÍNIMOS: Redução pela metade dos prazos de que tratam os art. 55 e art. 75, § 3º, da Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021, para a apresentação das propostas e lances, nas licitações ou contratações diretas com disputa eletrônica.
- PRORROGAÇÃO DE CONTRATOS POR MAIS 12 MESES: Se faz possível a prorrogação dos contratos vigentes (ainda que esgotadas as possibilidades de prorrogação) além dos prazos estabelecidos nas Lei nº 8.666/1993 e 14.133/2021, por até mais doze meses contados da data de seu encerramento.
- ALTERAÇÃO QUANTITATIVA DOS CONTRATOS: Contratos firmados com base na MP 1.221 poderão ter acréscimo quantitativo de até 50% do seu valor inicial atualizado. Contratos vigentes (Lei nº 8.666 ou Lei nº 14.133) poderão ser alterados para o atendimento das consequências da calamidade, até o limite de 100% de seu valor inicial atualizado, sendo necessária a concordância do contratado.
- CONTRATO VERBAL: Se faz possível a realização de contrato verbal, nos termos do disposto no § 2º do art. 95 da Lei nº 14.133, de 2021, com ampliação do valor limite, de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para R$ 100.000,00 (cem mil reais).
- DURAÇÃO DOS CONTRATOS: Contratos firmados com base na MP 1.221 terão prazo de duração de até 1 ano, prorrogável por igual período. Contratos de obras e serviços de engenharia com escopo predefinido terão prazo de conclusão de até três anos, passíveis de prorrogação até a conclusão de seu objeto
- FASE PREPATÓRIA DA LICITAÇÃO: Simplificação com a dispensa da elaboração de estudos técnicos preliminares, gerenciamento de riscos exigível somente durante a gestão do contrato e apresentação simplificada de termo de referência, anteprojeto ou projeto básico.
- FASE HABILITATÓRIA DA LICITAÇÃO: Poderá ser dispensada a apresentação de documentação relativa às regularidades fiscal e econômico-financeira. Os requisitos de habilitação jurídica e técnica serão delimitados ao estritamente necessário à adequada execução do objeto contratual. Ainda, em havendo apenas um fornecedor do bem ou serviço necessário, poderá ser contratado mesmo existindo sanção de impedimento ou suspensão de contratar com o Poder Público.
- REGISTRO DE PREÇO: Possibilidade de utilização do sistema de registro de preços para contratação direta de obras e serviços de engenharia e por apenas um órgão ou entidade, desde que presentes as condições previstas no art. 85 da Lei nº 14.133. Facultada a adesão, por órgão ou entidade do Estado, à ata de registro de preços de órgão ou entidade gerenciadora dos Municípios atingidos. No registro de preços com indicação limitada a unidades de contratação, sem indicação do total a ser adquirido, será permitida, a adesão de outros órgãos e entidades. O limite do quantitativo decorrente das adesões à ata de registro de preços é de cinco vezes o quantitativo de cada item registrado na ata de registro de preços para o órgão gerenciador e órgãos participantes. No regime da Lei de Licitações, esse limite é de duas vezes.
Não resta dúvida que a MP 1.221 é vital para acelerar a aquisição de bens e serviços essenciais e mitigar os impactos da catástrofe, bem como tal flexibilidade legal é um imperativo para possibilitar uma resposta rápida e eficaz, que pode salvar vidas e restaurar a normalidade o mais breve possível.
No entanto, essa atuação exige coragem e determinação dos agentes públicos. É essencial que esses profissionais usem essa ferramenta legal sem medo, mas com todo o cuidado para agir de forma regular e ética.
A prioridade deve ser a proteção da vida, segurança e bem-estar da população afetada, o que justifica medidas extraordinárias em tempos de crise, mas sem desrespeitar a moralidade administrativa. É crucial que as ações sejam pautadas pela moralidade e transparência, garantindo o uso responsável dos recursos públicos, escolhendo fornecedores qualificados para atender eficientemente às demandas emergenciais.
Superar os gargalos burocráticos que retardam as contratações públicas é uma necessidade urgente. Em desastres, os procedimentos tradicionais precisam ser adaptados para permitir agilidade nas contratações sem comprometer a integridade, qualidade ou custo-efetividade dos contratos.
A cooperação entre os diferentes níveis de governo e a colaboração com ONGs e o setor privado podem catalisar uma resposta mais eficaz. A partilha de recursos e conhecimentos fortalece as ações de resposta e recuperação, criando sinergias essenciais em tempos de crise.
Estatais e agências governamentais devem agir com rapidez, responsabilidade e integridade, garantindo que todas as ações estejam alinhadas com o interesse público e o bem-estar comum. A eficiência é uma obrigação governamental, sob pena de responsabilização por omissão ou atraso na adoção de medidas necessárias para proteger a população em risco.
Portanto, a presente Medida Provisória deve ser vista não apenas como uma prerrogativa legal, mas como um dever ético e funcional dos gestores públicos. Diante da devastação causada pelas chuvas no Rio Grande do Sul, é crucial que as contratações sejam realizadas de maneira eficiente e urgente para restaurar a normalidade e oferecer alívio imediato à população.
Maurício Gazen
Marcelo Gazen
Mateus Klein