Informativo TCU 482 | Licitações e Contratos

1. Constatado que lance manifestamente inexequível possa, durante a disputa, comprometer, restringir ou frustrar a competitividade do processo licitatório, o agente de contratação pode excluí-lo, de forma a resguardar a Administração de eventual comprometimento da busca pela proposta mais vantajosa (art. 21, § 4º, da IN Seges/ME 73/2022).

Representação formulada ao TCU apontou possíveis irregularidades no Pregão Eletrônico 35/2023, promovido pelo Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT-3) visando à contratação de serviço de segurança patrimonial em suas dependências, com valor estimado de R$ 25.938.300,84. A representante alegou, em suma, que: “i) houve falha no sistema do Compras.gov.br, quando tentou corrigir lance enviado com erro de digitação; ii) não foi realizada diligência por parte da equipe condutora do certame, tendo havido excesso de formalismo em sua desclassificação; e iii) suas contrarrazões não foram consideradas na decisão dos recursos, em violação ao contraditório e à ampla defesa, além de não se encontrarem disponíveis no Portal da Transparência do órgão, nem no site Compras.gov.br”. O referido certame teve abertura em 31/10/2023, quando se iniciou a etapa de oferta de lances no sistema. Após aproximadamente vinte minutos de disputa, a representante teria ofertado lance considerado manifestamente inexequível. A fase de lances se estendeu por mais 49 minutos, tendo a disputa prosseguido entre as demais licitantes. Ao ser convocada, em diligência, para justificar a sua proposta, a representante, então classificada em primeiro lugar, argumentou ter ocorrido equívoco na digitação do seu lance, além de falha técnica do sistema, que teria impedido a exclusão do lance durante o prazo de quinze segundos, estabelecido no item 6.10 do edital e no art. 21, § 3º, da IN Seges/ME 73/2022. Diante da possibilidade de ter havido inoperabilidade do sistema Compras.gov.br, a pregoeira do certame enviou, em 9/11/2023, ofício ao Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, para fins de apuração da suposta falha. Frente à ausência de manifestação do ministério até o dia 20/11/2023, a pregoeira decidiu pela revogação do certame, com abertura de prazo para interposição de recursos, em atendimento ao art. 165, inciso I, alínea “d”, da Lei 14.133/2021. Duas empresas participantes da licitação recorreram no prazo fixado, sustentando, em essência, que a representante não teria comprovado a existência de erro no sistema, e pleiteando o cancelamento da decisão que havia revogado a licitação. Em 22/11/2023, foi enfim encaminhado ao TRT-3 relatório emitido pelo Serpro, noticiando a ausência de identificação de erro no sistema durante a fase de lances do PE 35/2023. Diante disso, o órgão decidiu dar provimento aos recursos e cancelar a decisão que havia revogado o pregão, com retorno à fase de julgamento das propostas e consequente desclassificação da representante. No âmbito do TCU, a representante expôs que, apesar de ter ofertado vários lances durante a disputa, a partir de sua proposta inicial de R$28.000.000,00, acabara por inserir equivocadamente um valor sem digitar a ordem das centenas, de R$ 22.705,00. Informou que, ao tentar excluir o lance durante o prazo de quinze segundos, estabelecido no edital, não conseguira concluir a operação, devido a um bug do sistema. Aduziu ainda que não fora disponibilizado qualquer canal de comunicação com a pregoeira, uma vez que o chat estava desativado para as licitantes, e que ficara impedida de ofertar outros lances, tendo as demais competidoras perdido a referência do valor real da melhor oferta exequível. Por meio de despacho, o relator entendeu não assistir razão à representante quanto a esse ponto, uma vez que não foram acostados aos autos elementos que pudessem indicar ter havido, de fato, algum tipo de interrupção ou falha no funcionamento do sistema, a ponto de indisponibilizar as funcionalidades às licitantes. Ademais, de acordo com o relatório do Serpro, o Compras.gov.br esteve com funcionamento regular durante toda a sessão de lances, restando esclarecido nesse relatório que, “caso a licitante digite lance inexequível, o sistema disponibiliza tela de confirmação com o seguinte texto: ‘Senhor fornecedor, o valor informado para seu lance está inferior a 50% do valor estimado pelo órgão para este item, deseja confirmar?’. Se o valor for confirmado, o fornecedor ainda dispõe da possibilidade de excluir o lance nos quinze segundos subsequentes, conforme estabelecido no art. 21, § 3º, da IN Seges/ME 73/2022”. Naquela oportunidade, o relator então concluiu que a falha relatada fora de responsabilidade da própria licitante, a qual “incorreu em erro duplo ao confirmar, no sistema, um lance inferior a 50% do valor estimado e, posteriormente, ao não o excluir a tempo”. Ele ainda refutou a alegação de excesso de formalismo, considerando que, após a fase de lances e antes da sua desclassificação, a empresa fora devidamente convocada pela pregoeira para confirmar a exequibilidade da sua proposta, “conforme é possível verificar nas mensagens trocadas durante o certame”. Por outro lado, teriam sido identificados os seguintes indícios de irregularidade na condução do certame: “a) não desclassificação de proposta manifestadamente inexequível, em afronta ao art. 59, incisos III e IV e § 2º, da Lei 14.133/2021, ao art. 21, § 4º, da Instrução Normativa – Seges/ME 73/2022 e à jurisprudência deste Tribunal, a exemplo do Acórdão 2.920/2020-TCU-Plenário, relator: Ministro-Substituto Augusto Sherman; b) violação do contraditório e ampla defesa, em afronta ao art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal de 1988, ao art. 165, § 4º, da Lei 14.133/2021, e ao art. 2º da Lei 9.784/1999;”. Tais indícios acabaram levando o relator a deferir medida cautelar no sentido de que o TRT-3 suspendesse o andamento do PE 35/2023, sem prejuízo de determinar a oitiva da unidade jurisdicionada para que se pronunciasse acerca dos sobreditos indícios. No que se refere à não exclusão do lance manifestamente inexequível, o TRT-3 alegou, em síntese, que: a) a pregoeira se empenhara em atuar dentro dos limites da razoabilidade, avaliando, com cautela, se deveria ou não operar a exclusão do lance manifestamente inexequível, sopesando os princípios da legalidade, o qual recomenda avaliar o risco à competitividade (art. 21, § 4º, da IN Seges/ME 73/2022), com os da busca da proposta mais vantajosa, da impessoalidade e da isonomia entre os licitantes; b) o sistema registrara 31 novos lances após aquele que a representante afirmou ter sido sua verdadeira intenção (R$ 22.705.000,00), o que reforçou a convicção da pregoeira, no momento da sessão, de não ter havido prejuízo ao caráter competitivo do certame; c) a providência prevista no art. 21, § 4º, da IN Seges/ME 73/2022 é de caráter excepcional, quando a competitividade estiver em risco; d) a proposta vencedora, da segunda colocada, fora quase 14% inferior ao valor estimado, o que levou à ilação de que o certame merecia ter seguimento, pois não houve prejuízo à competitividade nem à economicidade da contratação; e) a licitação se revestia de grande complexidade, o que tornava a decisão “mais espinhosa”, ao se considerar o vultoso valor estimado, a natureza do objeto, o número de pedidos de esclarecimento e de impugnações do edital e a urgência em se ultimar o processo licitatório, em razão da prorrogação excepcional do contrato vigente. Após se debruçar sobre a matéria, a unidade técnica concluiu que, no caso concreto, não houve comprometimento à competitividade, considerando, em síntese, que: i) o modo de disputa da licitação era ‘aberto’, e não ‘aberto e fechado’; ii) foram efetuados outros 31 lances após o inexequível, inclusive inferiores àquele que a representante afirmou ter sido sua real intenção; e iii) o prosseguimento da sessão de lances permitira a oferta da proposta da segunda colocada, de R$ 22.342.245,00, ou seja, R$ 407.000,00 inferior à pretendida pela representante. Em seu voto, o relator assinalou que, de fato, a questão do modo de disputa da licitação já havia sido abordada em seu despacho, nos seguintes termos: “14. Caso a licitação tivesse se processado no modo ‘aberto e fechado’, de fato, haveria um comprometimento da etapa fechada ao não se excluir o lance manifestamente inexequível. Isso porque, conforme disposto no art. 24 da IN Seges/ME 73/2022, na etapa fechada, o sistema abre oportunidade para que o autor da oferta de valor mais baixo e os autores das ofertas subsequentes com valores até 10% superiores àquela – ou, na ausência de propostas nessas condições, os autores subsequentes até, no máximo, três – possam ofertar o lance final fechado. Nesse cenário, uma das ‘vagas’ para participação na etapa fechada estaria sendo ocupada pela proposta manifestamente inexequível do representante. 15. Contudo, conforme o item 6.13 do edital (peça 14, p. 9), o modo de disputa adotado para o PE 35/2023 é o ‘aberto’, em que as licitantes apresentam lances públicos e sucessivos, com prorrogações. Dessa forma, conforme é possível observar no Termo de Julgamento (peça 5, p. 6-7), as demais licitantes apresentaram diversos lances posteriormente – considerados como lances intermediários – nos quase 49 minutos subsequentes até o encerramento da fase de lances” [grifos do relator]. Na sequência, acerca da possibilidade de exclusão de lance manifestamente inexequível por parte da pregoeira, o relator frisou que a previsão de exclusão “de proposta ou de lances” consta do art. 21, § 4º, da IN Seges/ME 73/2022, que assim dispõe (grifos do relator): “Art. 21. Iniciada a fase competitiva, observado o modo de disputa adotado no edital, nos termos do disposto no art. 22, os licitantes poderão encaminhar lances exclusivamente por meio do sistema eletrônico. (…) § 4º O agente de contratação ou a comissão de contratação, quando o substituir, poderá, durante a disputa, como medida excepcional, excluir a proposta ou o lance que possa comprometer, restringir ou frustrar o caráter competitivo do processo licitatório, mediante comunicação eletrônica automática via sistema”. O relator registrou que o dispositivo citado tem por objetivo primordial assegurar o caráter competitivo do processo licitatório, sendo a exclusão de lance ou proposta medida de caráter excepcional. Destarte, “uma vez detectada a possibilidade de que determinado lance possa comprometer, restringir ou frustrar a competitividade do processo licitatório, abre-se a faculdade ao agente de contratação de excluí-lo. Nesse sentido, o que se busca é resguardar a Administração de eventual comprometimento da busca pela proposta mais vantajosa, que é o próprio fim do procedimento licitatório”. A partir da análise do relatório de lances do certame, constante do ‘Termo de Julgamento’, o relator concluiu não ser possível afirmar que tivesse havido o comprometimento da competitividade do certame, uma vez que foram apresentados diversos lances (intermediários) pelas demais licitantes nos quase 49 minutos subsequentes, tendo a proposta da segunda colocada chegado a R$ 22.342.245,00, aproximadamente R$ 3,6 milhões a menos que o valor estimado. Todavia, considerando a avidez da disputa travada pela representante e por outra licitante na fase inicial do certame, haveria, a seu ver, “indícios de que seria possível a obtenção de preço ainda mais vantajoso pela Administração, caso o lance inexequível tivesse sido excluído”. No que concerne à conduta da pregoeira, o relator entendeu que não caberia a sua responsabilização por deixar de excluir o lance manifestamente inexequível. Segundo ele, tal procedimento seria imprescindível e incontestável caso a licitação tivesse se processado pelo modo de disputa ‘aberto e fechado’, tendo em vista a flagrante restrição ou frustração da competitividade do processo licitatório que decorreria da sua omissão, e outra hipótese seria se o certame contasse com número bastante diminuto de licitantes, o que também não fora o caso. Afirmou ser compreensível, portanto, que, frente ao caráter excepcional atribuído à faculdade prevista no art. 21, § 4º, da IN Seges/ME 73/2022, a agente de contratação, em uma licitação processada pelo modo de disputa aberto e com número razoável de participantes (dezesseis), entendesse que o procedimento seria desnecessário, pela possibilidade de as demais licitantes seguirem ofertando lances intermediários até o encerramento da disputa. No que diz respeito ao segundo questionamento da oitiva do TRT-3, referente à possível violação do contraditório e da ampla defesa, o relator rememorou as alegações da representante quanto a esse ponto, no sentido de que ela teria inserido no sistema as contrarrazões aos recursos interpostos pelas demais licitantes após a decisão pela revogação do certame, apresentando print da tela do Compras.gov.br, mas que não foram objeto de análise pela pregoeira. O relator chamou a atenção para o fato de que, conforme apontado pela pregoeira, embora não tenham sido analisadas tempestivamente, as contrarrazões da representante “discutem argumentos que não serviram de supedâneo para a tomada de decisão”. Isso porque a real motivação para o retorno à fase de julgamento das propostas, conforme a resposta da pregoeira aos recursos contra a revogação do certame, foi o conteúdo do parecer do Serpro, que noticiara a regularidade do sistema Compras.gov.br durante a sessão de lances da licitação. Entretanto, ponderou o relator, apesar de não ter sido caracterizado dolo ou má-fé na atuação dos servidores envolvidos no pregão, nem erro grosseiro, que poderiam ensejar algum tipo de responsabilização, “o contraditório e a ampla defesa restaram comprometidos”. Para ele, a decisão pelo cancelamento da revogação da licitação e pelo consequente retorno à fase de julgamento das propostas desconsiderara as contrarrazões da representante aos recursos interpostos pelas demais licitantes, violando, assim, direito fundamental da empresa assegurado pelo art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal, bem como os dispositivos legais mencionados na oitiva. Por conseguinte, em razão da ilegalidade evidenciada no processo licitatório, o relator concluiu que a anulação do certame seria a medida adequada, ainda mais que o contrato em curso, apesar de se encontrar em prorrogação excepcional, tivera sua vigência estendida até 18/10/2024, ou até que se ultime a contratação decorrente do devido certame licitatório, “conforme disposto no parágrafo único da Clausula Primeira do seu 16º Termo Aditivo”. Ele reconheceu que, levando em conta que não seriam promovidas alterações no edital, aquele prazo se mostrava suficiente para a realização de nova licitação, sem comprometimento da continuidade dos serviços indispensáveis ao órgão. Assim sendo, ante a “ausência de análise tempestiva das contrarrazões apresentadas pelo representante após a revogação da licitação, em violação ao disposto nos arts. 5º, inciso LV, da Constituição Federal de 1988; 165, inciso I, alínea ‘d’ c/c os §§ 2º e 4º, da Lei 14.133/2021, 2º da Lei 9.784/1999, e 9º e 10 da Lei 13.105/2015”, o relator propôs, e o Plenário decidiu, determinar ao TRT-3 que procedesse a anulação do Pregão Eletrônico 35/2023.

Acórdão 948/2024 Plenário, Representação, Relator Ministro Jorge Oliveira.

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