O artigo 93 da Lei nº 8.213/911 prevê a reserva de cargos para pessoas com deficiência e para reabilitados da previdência social:
Art. 93. A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas, seguinte proporção:
I – até 200 empregados…………………………………………………………………………2%;
II – de 201 a 500…………………………………………………………………………………………3%;
III – de 501 a 1.000…………………………………………………………………………………….4%;
IV – de 1.001 em diante. ………………………………………………………………………..5%.
(grifos nossos)
O artigo 63, inciso IV, da Lei nº 14.133/2021 determina que as empresas que pretendem contratar com o Poder Público, para serem habilitadas nas licitações, devem comprovar que cumprem a reserva de cargos para para pessoas com deficiência e para reabilitados da previdência social no seu quadro de colaboradores:
Art. 63. Na fase de habilitação das licitações serão observadas as seguintes disposições:
(…)
IV – será exigida do licitante declaração de que cumpre as exigências de reserva de cargos para pessoa com deficiência e para reabilitado da Previdência Social previstas em lei e em outras normas específicas. (grifos nossos)
Esta condição é necessária não só para que a empresa contrate com o Poder Público, mas também para que a contratação seja mantida, uma vez que o artigo 93, inciso XVI, da Lei 14.133/2021, determina que os contratos administrativos devem ter cláusula que preveja que o contratado tenha que manter as condições de habilitação durante toda a contratualidade:
Art. 92. São necessárias em todo contrato cláusulas que estabeleçam:
(…)
XVI – a obrigação do contratado de manter, durante toda a execução do contrato, em compatibilidade com as obrigações por ele assumidas, todas as condições exigidas para a habilitação na licitação, ou para a qualificação, contratação direta; (grifos nossos)
Contudo, o preenchimento de cargos com pessoas com deficiência com reabilitados da previdência social não depende apenas da vontade da empresa, mas também do interesse de eventuais interessados em ocupar os cargos em questão.
Por esta razão, muitas vezes as empresas não conseguem cumprir o número de vagas legalmente exigidas para pessoas com deficiência e para reabilitados da previdência social ou até conseguem em um certo momento, mas deixam de cumprir a exigência legal no momento em que algum
colaborador se desliga da empresa.
Isto gera o questionamento se estariam irregulares para a contratação com o Poder Público as empresas que buscam o preenchimento da reserva de cargos para pessoas com deficiência e para reabilitados da previdência social mas que não conseguem preencher os cargos em questão por ausência de procura.
Este relevante questionamento foi sanado pelo Tribunal Superior do Trabalho, que fixou entendimento no sentido de que estando comprovado que a empregadora realizou notórias e relevantes ações para realizar as contratações estabelecidas pela lei, não lhe pode ser aplicada penalidade em razão de não ter atingido a quota mínima exigida:
RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI N° 13.467/2017 – CONTRATAÇÃO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA. DIVULGAÇÃO EM MEIOS OFICIAIS. BUSCA ATIVA. DIFICULDADE DE CONTRATAÇÃO. VAGAS NÃO PREENCHIDAS. O art. 93 da Lei nº 8.213/1991 prevê que a empresa que possui 100 ou mais empregados está obrigada a preencher o seu quadro de pessoal com pessoas com deficiência ou com beneficiários da Previdência Social reabilitados, no percentual de 2% e 5% do total de cargos disponíveis. Trata-se de ação afirmativa que impõe ao empregador a obrigação de empreender todos os esforços necessários ao cumprimento das cotas mínimas reservadas a empregados reabilitados ou com deficiência. Esta Corte Superior possui o entendimento no sentido de que, uma vez comprovado que a empregadora realizou notórias e relevantes ações para realizar as contratações estabelecidas pela lei, não lhe pode ser aplicada penalidade em razão de não ter atingido a quota mínima exigida. Necessário, portanto, analisar-se criteriosamente a alegação de “ dificuldade de contratação” constituindo-se ônus do empregador a demonstração de que realizou diversos esforços para o cumprimento do referido dispositivo legal, sob pena de se esvaziar a finalidade do que dispõe o art. 93 da Lei nº 8.213/1991. No caso, o Tribunal Regional consignou que “ os documentos apresentados pelo requerente demonstram que a maioria dos anúncios de vagas destinadas às pessoas com deficiência ou reabilitadas foram veiculados na internet, no jornal e na rádio local em datas posteriores à lavração do auto de infração”. Assim, o contexto fático delineado na origem não alberga as alegações da empresa no sentido de que agiu com a diligência necessária a fim de atender ao cumprimento das vagas exigidas legalmente. Conclusão diversa esbarra no óbice da Súmula 126 do TST. Recurso de revista de que não se conhece” (RR-12232-33.2018.5.15.0111, 8ª Turma, Relator Ministro Sergio Pinto Martins, DEJT 16/09/2024). (grifos nossos)
Assim sendo, desde que a empresa comprove, efetivamente, que empreende os esforços necessários para o cumprimento das vagas legalmente reservadas para pessoas com deficiência e para reabilitados da previdência social pode ser considerada cumpridora da obrigação estabelecida pelo artigo 93 da Lei nº 8213/91, cuja decisão este escritório pensa ser a mais adequada para a prática, que é bem diferente da teoria, diga-se.
Ademais, perceba que o artigo 93, inciso XVI, da Lei 14.133/2021, fala sobre “reserva” de cargos para pessoas com deficiência e para reabilitados da previdência social, de forma que os cargos em questão, mesmo não estando preenchidos, caso existam e estejam reservados, já são o suficientes para comprovação de que existe o cumprimento da reserva de cargos para pessoas com deficiência e para reabilitados da previdência social, para fins de emissão da declaração requerida pelo artigo 93, inciso XVI, da Lei14.133/2021.
Vale destacar que a declaração requerida pelo artigo 93, inciso XVI, da Lei 14.133/2021 tem presunção relativa de veracidade (juris tantum), o que significa que é considerada verdadeira até que se prove o contrário. Isso porque, eventuais documentos emitidos por autoridades que comprovem o não cumprimento da reserva de vagas para pessoas com deficiência e para reabilitados da Previdência Social não pode ser desconsiderado pelo órgão contratante, haja vista que o artigo 19, inciso II, da Constituição Federal estabelece que “é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios recusar fé a documentos públicos.” e o artigo 117, inciso III, da Lei nº 8.112/1990 dispõe que “ao servidor é proibido: […] recusar fé a documentos públicos.”
Assim sendo, eventuais autos de infração, certidões e outros documentos emitidos por Auditores-Fiscais do Trabalho e demais autoridades, constituem documentos públicos e prevalecem sobre as autodeclarações.
Todavia, as empresas que eventualmente tenham a sua declaração de cumprimento da reserva de cargos para pessoas com deficiência e para reabilitados da previdência social rechaçada por documentos públicos, podem procurar os órgãos públicos emitentes desses documentos para suspendê-los ou anulá-los mediante comprovação de que têm todos os cargos destinados à pessoas com deficiência e a reabilitados da previdência social ocupados ou que, caso não o tenham, empreendem todos os esforços necessários para fazê-lo, o que impossibilita a sua penalização pelo não preenchimento destes cargos, de acordo com o jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho.
É neste exato sentido que entende o recentíssimo Parecer nº 0060/2024 do Departamento de Coordenação e Orientação de Órgãos Jurídicos (DECOR), da Controladoria Geral da União (CGU) e da Advocacia Geral da União (AGU), cuja ementa será colacionada a seguir:
DIREITO ADMINISTRATIVO. LICITAÇÕES E CONTRATOS. EXIGÊNCIA DE RESERVA DE CARGOS PARA PESSOA COM DEFICIÊNCIA E REABILITADO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. I – Divergência entre órgãos jurídicos consultivos desta Advocacia-Geral da União acerca da regularidade do cumprimento da exigência de reserva de cargos para pessoa com deficiência e para reabilitado da Previdência Social por parte de empresa que não logrou êxito em atender o comando do art. 93 da Lei n° 8.213, de 24 de julho de 1991, por circunstâncias alheias a sua vontade. II – Nos termos do inciso IV do art. 63 da Lei n° 14.133/2021, na fase de habilitação da licitação, somente se poderá exigir do licitante declaração de que cumpre as exigências de reserva de cargos para pessoa com deficiência e para reabilitado da Previdência Social, previstas em lei e em outras normas específicas. III – A declaração apresenta pelo licitante tem presunção de veracidade juris tantum (relativa). Se houver concomitantemente à apresentação da declaração um documento da fiscalização trabalhista que infirme o seu conteúdo, deverá prevalecer esse em detrimento daquela; IV – Os autos de infração e as certidões expedidos pelos Auditores-Fiscais do Trabalho constituem documentos públicos oficiais, sendo vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, inclusive a seus servidores, recusar-lhes fé, conforme se pode atestar da leitura do inciso II do art. 19 da Constituição da República e do inciso III do art. 117 da Lei n° 8.112/1990. V – Se autuado pela fiscalização trabalhista por inobservância da disposição constante do art. 63, IV, da Lei n° 14.133/2021, o licitante deverá providenciar a anulação ou a suspensão do auto para poder prosseguir no certame ou na execução do contrato. Cod. Ement.: 23 (grifos nossos)
Portanto, as empresas que se submetam ao escrutínio das suas condições de habilitação para contratar com o Poder Público devem preencher os cargos legalmente destinados à pessoas com deficiência e à reabilitados da previdência social, na forma estabelecida no artigo 93 da Lei nº 8213/91 ou, ao menos, empreender os esforços necessários para tal, o que deve ser comprovado por meio de autodeclaração a ser apresentada aos contratantes públicos em licitações e durante a vigência de contratos administrativos. No caso de questionamento da veracidade das declarações por documentos públicos, a empresa declarante pode buscar a suspensão ou anulação deste documento público frente ao órgão emitente mediante comprovação de que cumpre a reserva de cargos destinados à pessoas com deficiência e à reabilitados da previdência social ou que empreende os esforços necessários para tal.
MAURÍCIO GAZEN
OAB/RS 71.456
PRISCILA JARDIM
OAB/RS 126.157
CARLOS PACHECO
OAB/RS 128.644