Sem dúvida se está diante de relevante questão que guarda certa complexidade por dizer respeito exatamente aos cuidados que a Administração Pública deve cercar-se – para a execução contratual a contento – no seu poder-dever de zelar pelo tratamento isonômico dos licitantes e conformação legal dos contratos que firma para a realização dos objetos postos em licitação, na busca de proteção do interesse público inafastável que o permeia.
Inicialmente entendemos necessárias algumas definições vertentes ao instituto do Consórcio de Empresas, em sede de licitação pública.
Sabe-se, o consórcio é uma associação de dois ou mais interessados em concorrer num certame licitatório, de maneira que, somando técnica, trabalho e know-how, tornem-se aptos a executar o empreendimento colimado pela Administração, que isoladamente não deteriam condições de efetivar.
Vale dizer que o consórcio é uma reunião de esforços entre empresas para a consecução de um fim que não poderia ser atingido por empresas isoladamente. É, pois, nesse escopo que o art. 33, inciso III, da Lei nº 8.666/93 é expresso ao exigir a comprovação das condições habilitatórias de cada consorciado, permitindo-se o somatório dos quantitativos e dos valores destes consorciados, para efeito de comprovação de qualificação técnica e econômico-financeira.
Nesse diapasão, Hely Lopes Meirelles assim assevera:
Sendo uma soma dos recursos dos consorciados, o consórcio demonstra sua habilitação jurídica e sua regularidade fiscal mediante documentação apresentada pelos consorciados individualmente, nos termos do pedido no edital, não se admitindo que a firma-líder o faça por todos. Não obstante, para a qualificação técnica e qualificação econômico-financeira, a lei admite o somatório dos quantitativos de cada consorciado, na proporção de sua cota consorcial (art.33, inc.III), ampliando-se, assim, a possibilidade de participação de pequenas ou médias empresas em concorrências der maior vulto. (em Direito Administrativo Brasileiro, 28ª ed., São Paulo, Malheiros, 2003, p.308).
No mesmo sentido pondera Jessé Torres Pereira Junior:
A Lei nº 8.666/93 repete o Dec.-lei nº 2.300/86, acrescentando, no inc.III, que a aferição de qualificação técnica ou econômico-financeira poderá resultar do somatório dos índices referentes a cada consorciado, na mesma proporção da respectiva participação no consórcio, e facultando à Administração exigir desde até 30% a maior dos valores que exigir dos licitantes individuais, salvo se o consórcio for totalmente integrado por micro e pequenas empresas, ressalva esta que obedece ao tratamento privilegiado previsto no art. 170, inc. IX, da CF/88. (em Comentários À Lei das Licitações e Contratações da Administração Pública, 6ª ed., Rio de Janeiro, Renovar, 2003, p.392).
Em verdade a razão de ser do instituto – “consórcio” – é facilmente explicada. Muito embora as consorciadas habilitem-se individualmente (artigos 28 a 31 da Lei de Licitações), oferecendo, cada qual, a documentação exigida pelo edital, a habilitação é conferida ao consórcio, e não à consorciada. Obviamente, a figura existe para suprir as deficiências individuais de cada uma das empresas que participam do certame, já que, em tese, cada qual não teria condições de participar. Assim, somam-se os esforços de capacidade qualificação, entre si, para concorrer.
No que tange à responsabilidade, a lei exige a solidariedade. Desta forma, integrantes do consórcio são, por força da lei de licitações, responsáveis solidários uns dos outros, no todo ou em parte.
O conceito de solidariedade, como é cediço, dispensa maiores comentários. A partir dele, pode a Administração exigir de cada uma das consorciadas, individual ou conjuntamente, o total cumprimento das obrigações contratadas. Ou seja, as empresas consorciadas assumirão total responsabilidade individual e solidária pelos atos praticados pelo consórcio, pela execução dos serviços de acordo com os termos contratuais e por todas as exigências pertinentes ao objeto da referida concorrência.
Gize-se, por oportuno, que muito embora figure como contratado o Consórcio, e de fato assim é, em realidade, tal figura apresenta-se como mero rótulo jurídico a encobrir as empresas que dele participam. Como vimos acima, a entidade “consórcio”, técnica e juridicamente, volta-se muito mais às necessidades de operacionalização da obra ou empreendimento que à responsabilização. Noutras palavras, a pessoa jurídica “consórcio” rigorosamente não existe, já que quem efetivamente é acionado, na hipótese de qualquer lesão a direito das partes envolvidas no contrato, serão inelutavelmente as empresas consorciadas, em face da ausência de personalidade jurídica autônoma do consórcio.
É certo que a habilitação é do consórcio, no entanto, a qualificação do mesmo resulta da conjugação das características individuais de cada componente. Ademais, não há que se falar em patrimônio do consórcio, mas sim de seus integrantes, as empresas. No contexto analisado, o “líder” do consórcio nada mais é que o mandatário do consórcio. Trata-se apenas e simplesmente da “pessoa” que trava os necessários contratos negociais e administrativos com a Administração, em nome do consórcio, leia-se das empresas contratadas.
Em face do antes dito, desde já consigne-se, que não vislumbramos qualquer obstáculo para a modificação dos membros do Consórcio, desde que respeitadas algumas condições adiante examinadas, sendo que esta decisão, no nosso entender, não daria azo a privilégio ou atrito à igualdade, regra cardeal do procedimento licitatório.
Por todas as razões anteriores, presente a responsabilidade inerente ao consórcio, é forçoso se concluir pela legalidade ou por inexistir impedimento legal à alteração da composição consorcial após o julgamento e adjudicação do objeto licitado, desde que antes da assinatura do contrato, com a retirada da empresa líder, diante da impossibilidade jurídica de sua manutenção no consórcio, por razões supervenientes à licitação, desde que, havendo três consorciadas remanescentes, estas demonstrarem possuir, em conjunto, ampla capacitação, suficiente ao atendimento de todas as exigências habilitatórias e oferecimento das garantias contratuais devidas.