O Regime de Contratações Diferenciadas (RDC) permite que a Administração Pública realize contratações integradas, o que é uma espécie de relação em que o contratado possui a oportunidade e a responsabilidade de elaborar o projeto e de realizar a execução dos serviços.
A contratação em questão se dá por meio de regular procedimento licitatório, em que o órgão contratante apresenta um mero anteprojeto, o qual estabelece as condições mínimas para que os licitantes elaborem as suas propostas.
Veja-se o artigo 9º, §2º, inciso I, da Lei 12.462/11:
§ 2º No caso de contratação integrada:
I – o instrumento convocatório deverá conter anteprojeto de
engenharia que contemple os documentos técnicos
destinados a possibilitar a caracterização da obra ou
serviço (…) (grifos nossos)
Esta modalidade de contratação concede ao contratado a oportunidade de elaboração do projeto, o que visa extinguir as necessidades de formalização de inúmeros aditivos contratuais para correção de projetos e valores, problema muito comum nas contratações convencionais, em que um contratado produz o projeto e outro executa os serviços.
Contudo, uma vez que é o próprio elaborador do projeto e executor da obra, o contratado não pode reclamar eventuais falhas de projeto e requerer aditamentos, de maneira que assume a total responsabilidade sobre a execução do serviço dentro do valor originalmente pactuado.
Neste sentido, observe-se o artigo 9º, §4º, inciso I e II, da Lei 12.462/11:
§ 4º Nas hipóteses em que for adotada a contratação
integrada, é vedada a celebração de termos aditivos aos
contratos firmados, exceto nos seguintes casos:
I – para recomposição do equilíbrio econômico-financeiro
decorrente de caso fortuito ou força maior; e
II – por necessidade de alteração do projeto ou das
especificações para melhor adequação técnica aos objetivos
da contratação, a pedido da administração pública, desde
que não decorrentes de erros ou omissões por parte do
contratado, observados os limites previstos no § 1º do art. 65
da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. (grifos nossos)
Desta forma, eventuais problemas na execução dos serviços que tornem o contrato menos lucrativo devem ser suportados pelo contratado (exceto se forem causados por caso fortuito ou por força maior), entretanto, uma execução dos serviços menos custosa, que aumente a lucratividade, enquadra-se como superfaturamento?
O entendimento jurisprudencial a respeito do tema é de que, se os preços dos materiais utilizados e dos serviços prestados não excederem ao valor natural de mercado não há que se falar em superfaturamento:
A utilização de patrulha mecânica de menor custo do que
aquela prevista na composição de preços do contrato não
representa superfaturamento se o preço global contratado
para os serviços de terraplenagem for inferior ao preço
referencial de mercado calculado com os custos dos
equipamentos efetivamente empregados. Sendo
tecnicamente admissíveis diversas alternativas de execução
dos serviços, é lícito que a empresa contratada opte por
aquela que minimiza o seu custo e maximiza o seu lucro
(Acórdão nº 800/2016 – Plenário, Rel. Min. Vital do Rêgo,
Processo nº 008.224/2010-2). (grifos nossos)
Entretanto, o Tribunal de Contas da União também entende que eventuais falhas no anteprojeto, que prevejam custos maiores do que aqueles que serão efetivamente gastos na execução do serviço, não
permitem o aumento da lucratividade do contratado, devendo ser corrigido o custo da contratação quanto a parte erroneamente cotada:
9.1.3. se abstenha de aprovar projetos executivos contendo
alterações da concepção indicada nos respectivos
anteprojetos sem que se proceda à correspondente
reprogramação financeira da intervenção, adequando-se os
valores da remuneração às características da concepção a
ser executada, em obediência ao disposto na cláusula 3.8
dos contratos celebrados para execução dos serviços, ao art.
9º, § 4º, II, da Lei 12.462/2011 e ao art. 66, caput, da Lei
8.666/1993.
(TCU – RA: 00855720160, Relator: AUGUSTO SHERMAN, Data
de Julgamento: 21/03/2018, Plenário) (grifos nossos)
A produção de projeto em desconformidade com as determinações do anteprojeto só é possível se for mantido o nível de qualidade, no que diz respeito ao uso, a segurança e a durabilidade do objeto que será entregue:
FISCOBRAS 2014. OBRAS DA RODOVIA BR-381/MG, LOTES 6
E 3.1. CONTRATAÇÕES POR RDC ENGLOBANDO
ELABORAÇÃO DE PROJETO BÁSICO, PROJETO EXECUTIVO
E EXECUÇÃO DA OBRA. PROJETOS BÁSICOS EM
DESACORDO COM ANTEPROJETOS DA LICITAÇÃO E
NORMATIVOS DO DNIT. REDUÇÃO DO NÍVEL DE SERVIÇO
DA RODOVIA. PROVIDÊNCIAS ADOTADAS PELA
AUTARQUIA. CIÊNCIA (…) Constatou-se que o projeto básico
apresentado pelo contratado possui nível de serviço aquém
do estabelecido no edital do certame, no que concerne ao
traçado horizontal. O anteprojeto da licitação continha 62
curvas enquanto o projeto básico apresentava 72. Devido a
essa diferença, os usuários perceberão um traçado mais
sinuoso, com 16% mais curvas. Além disso, apenas duas
curvas do anteprojeto apresentavam raio inferior ao mínimo
desejável de 230m, ao passo que o projeto básico
apresentava 20 curvas com raios inferiores a 230m (valor
mínimo estabelecido em norma para rodovias de Classe I-A
com velocidade diretriz de 80 Km/h e superelevação
máxima de 8%). Ou seja, curvas mais perigosas e de raio
mais fechado (abaixo de 230 m) aumentaram em 1.000% no
projeto básico elaborado pelo contratado.” (TCU
00443720144, Relator: JOSÉ MÚCIO MONTEIRO, Data de
Julgamento: 25/06/2014) (grifos nossos)
No acórdão supracitado tem-se a negativa do Tribunal de Contas da União quanto à conduta da contratada que, em sede de projeto, alterou o traçado previsto em anteprojeto de uma rodovia com vistas à redução de custos.
Assim sendo, entende-se que, embora o tema seja bastante sensível e controverso, eventual alteração dos requisitos do anteprojeto, como a redução do curso de uma rodovia, ou a redução do alicerces de uma construção podem ser encarados como superfaturamento, haja vista que estas alterações, caso aceitas pelo órgão contratante, devem manter o nível de serviço do objeto entregue e, se passíveis de redução de custos, devem ter a economia refletida nos valores pagos e repassados pela administração
pública ao privado.
Diferente é o caso da metodologia de execução em que, caso seja mantido o nível da prestação de serviços, e os preços praticados estejam dentro dos valores de mercado, é possível o aumento da lucratividade do contratado.
CARLOS PACHECO
OAB/RS 128.644
PRISCILA JARDIM
OAB/RS 126.157
MAURÍCIO GAZEN
OAB/RS 71.456