Artigo Gazen | DA POSSIBILIDADE/OBRIGAÇÃO DE FIXAÇÃO DE MATRIZ DE RISCOS QUE LIMITE AS HIPÓTESES DE REEQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO EM RELAÇÃO A INSUMOS BETUMINOSOS NOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS

Os contratos administrativos são firmados sob a luz da realidade corrente e previsível no momento de sua celebração. No entanto, é natural que durante a execução destes contratos ocorram fatos imprevisíveis ou previsíveis, mas de consequências imprevisíveis, que alterem os custos da execução do objeto contratado.

É por esta razão que os contratos administrativos podem ser alterados para o restabelecimento da equação-econômica financeira original, quando esta tiver se desequilibrado em virtude de fatos
imprevisíveis ou previsíveis mas de consequências incalculáveis, segundo os artigos 124, inciso II, alínea “d”, da Lei 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações e de Contratos Públicos); 65, inciso II, alínea “d”, da Lei 8.666/93 (Antiga Lei de Licitações e de Contratos Públicos) e 81, inciso VI, da Lei 13.303/2016 (Lei das Estatais):


Lei 14.133/2021
Art. 124. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos:
(…)
II – por acordo entre as partes:
(…)
d) para restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe ou em decorrência de fatos imprevisíveis ou previsíveis de consequências incalculáveis, que inviabilizem a execução do contrato tal como pactuado, respeitada, em qualquer caso, a repartição objetiva de risco estabelecida no contrato.
Lei 8.666/93
Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos:
(…)
II – por acordo das partes:
(…)
d) para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de conseqüências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual.
Lei 13.303/2016
Art. 81. Os contratos celebrados nos regimes previstos nos incisos I a V do art. 43 contarão com cláusula que estabeleça a possibilidade de alteração, por acordo entre as partes, nos
seguintes casos:
(…)
VI – para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da administração para a justa remuneração da obra, serviço
ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de consequências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual. (grifos nossos)

Existem três medidas que visam manter o equilíbrio econômico financeiro das relações administrativas, as quais esclarecemos:

a) o reequilíbrio econômico-financeiro: medida que requer a demonstração inequívoca da existência de fatos que, de forma imprevisível, alteraram drasticamente os custos da prestação de
serviços;
b) o reajuste de preços: medida que significa a mera atualização anual dos valores contratados, segundo os índices contábeis pactuados;
c) a repactuação: medida que, em contratos de prestação de serviços de fornecimento de mão de obra terceirizada, significa a atualização dos custos do contrato às convenções coletivas de trabalho vigentes e aos demais encargos trabalhistas que possam ser criados.

O reajuste de preços e a repactuação são alterações simples dos preços originalmente pactuados, tendo que ser aplicadas sempre que houver a hipótese de incidência, haja vista que são variações de custos razoavelmente previsíveis.

O reequilíbrio econômico-financeiro é um pleito mais complexo, que sempre demanda uma certa discussão entre as partes, haja vista que para ser aplicado nos contratos administrativos, precisa da demonstração da ocorrência de fatos imprevisíveis que alteraram drasticamente os custos de prestação dos serviços.

Nos contratos administrativos em que são empregados insumos betuminosos, como no caso de obras em que há a prestação de serviços de pavimentação asfáltica, existe uma constante variação dos custos de prestação dos serviços, haja vista que os preços dos insumos betuminosos são extremamente voláteis no mercado, o que leva estas relações administrativas a diversos pleitos de reequilíbrio econômico-financeiro.

Tanto a Lei 14.133/2021, como a Lei 13.303/2016 trouxeram ao ordenamento jurídico a figura da divisão de riscos ou matriz de riscos, que nada mais é do que a fixação de hipóteses e limites objetivos de variação das condições originalmente pactuadas em que incidirá ou não o reequilíbrio econômico financeiro sobre o contrato, de maneira que já é previamente acordado qual das partes arcará com os prejuízos de eventual variação dos custos de prestação dos serviços.

Neste sentido, veja o artigo 6º, inciso, XXVII, da Lei 14.133/2021 e o artigo 42, inciso X, da Lei 13.303/2016:


Lei 14.133/2021
Art. 6º Para os fins desta Lei, consideram-se:
(…)
XXVII – matriz de riscos: cláusula contratual definidora de riscos e de responsabilidades entre as partes e caracterizadora do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, em termos de ônus financeiro decorrente de eventos supervenientes à contratação, contendo, no mínimo, as seguintes informações:
a) listagem de possíveis eventos supervenientes à assinatura do contrato que possam causar impacto em seu equilíbrio econômico-financeiro e previsão de eventual necessidade de prolação de termo aditivo por ocasião de sua ocorrência;
b) no caso de obrigações de resultado, estabelecimento das frações do objeto com relação às quais haverá liberdade para os contratados inovarem em soluções metodológicas ou tecnológicas, em termos de modificação das soluções previamente delineadas no anteprojeto ou no projeto básico;
c) no caso de obrigações de meio, estabelecimento preciso das frações do objeto com relação às quais não haverá liberdade para os contratados inovarem em soluções metodológicas ou tecnológicas, devendo haver obrigação de aderência entre a execução e a solução predefinida no anteprojeto ou no projeto básico, consideradas as características do regime de execução no caso de obras e serviços de engenharia;

Lei 13.303/2016
Art. 42. Na licitação e na contratação de obras e serviços por empresas públicas e sociedades de economia mista, serão observadas as seguintes definições:
(…)
X – matriz de riscos: cláusula contratual definidora de riscos e responsabilidades entre as partes e caracterizadora do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, em termos de ônus financeiro decorrente de eventos supervenientes à contratação, contendo, no mínimo, as seguintes informações:
a) listagem de possíveis eventos supervenientes à assinatura do contrato, impactantes no equilíbrio econômico-financeiro da avença, e previsão de eventual necessidade de prolação de termo aditivo quando de sua ocorrência;
b) estabelecimento preciso das frações do objeto em que haverá liberdade das contratadas para inovar em soluções metodológicas ou tecnológicas, em obrigações de resultado, em termos de modificação das soluções previamente delineadas no anteprojeto ou no projeto básico da licitação;
c) estabelecimento preciso das frações do objeto em que não haverá liberdade das contratadas para inovar em soluções metodológicas ou tecnológicas, em obrigações de meio, devendo haver obrigação de identidade entre a execução e a solução pré-definida no anteprojeto ou no projeto básico da licitação. (grifos nossos)

Assim sendo, nos contratos em que há divisão de riscos, os critérios para a concessão, ou não concessão, de eventual reequilíbrio econômico-financeiro estão previstos objetivamente, o que traz segurança jurídica para as partes envolvidas, que já sabem de antemão quem arcará com determinado custo futuro.

Justamente neste contexto é que o Tribunal de Contas da União, no Acórdão 1210/2021 – Plenários, de relatoria do Ministro Antônio Anastasia, fixou o entendimento de que é lícito, e até recomendável, que o contrato estabeleça divisão de riscos entre as partes, inclusive no que se refere à faixas aceitáveis de variação nos custos de determinados insumos, principalmente nos casos em que o insumo seja representativo no contexto dos serviços contratados e esteja sujeito a flutuações decorrentes de fatores de difícil previsão, a exemplo dos materiais betuminosos em obras rodoviárias:

SUMÁRIO: REPRESENTAÇÃO. DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRAESTRUTURA DE TRANSPORTE. CRITÉRIOS PARA REEQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO DE CONTRATOS ADMINISTRATIVOS EM RAZÃO DE VARIAÇÃO DE PREÇOS DE MATERIAIS BETUMINOSOS. PROCEDÊNCIA. DETERMINAÇÕES. ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões expostas pelo Relator, em: (…) 9.2. recomendar ao Dnit que, em atenção aos arts. 6º, inciso LVIII; 92, § 3º; e 124, inciso II, ‘d’ da Lei 14.133/2021, preveja, para futuras contratações de obras rodoviárias, bandas aceitáveis de variação de custo de insumos asfálticos, em prazo delimitado, considerando a representatividade desses materiais na obra em particular, para as quais a empresa contratada se compromete a cumprir fielmente o contrato sem o cabimento de pedido de reequilíbrio econômico-financeiro, resguardada, em todo o caso, a observância do reajustamento periódico; 9.3. determinar ao Dnit que, no prazo de 90 dias, revise os normativos internos referentes à análise de pedidos de reequilíbrio econômico-financeiro, de forma a adotar procedimentos para demonstrar o impacto nos contratos elegíveis em razão de aumentos imprevisíveis dos preços dos insumos betuminosos, em atenção às disposições contidas no art. 124, inciso II, alínea “d”, da Lei 14.133/2021 e no art. art. 65, inciso II, alínea “d”, da Lei 8.666/1993 (revogada), em particular: 9.3.1. a representatividade dos materiais betuminosos no valor total do contrato, conforme a natureza da obra (construção, adequação, duplicação, restauração, manutenção e conservação); 9.3.2. o estágio de execução contratual e o saldo de serviços que demandam insumos betuminosos; e 9.3.3. a comprovação, por parte da requerente, do nexo causal entre a ocorrência do fato motivador e a condição superveniente de inexequibilidade do contrato. Acórdão 1210/2024 Plenário (Representação, Relator Ministro Antonio Anastasia) (grifos nossos)

Desta forma, o acórdão em questão fixa entendimento no sentido de que, em contratos administrativos, é permitido e até recomendável, especialmente quando o contratante for o Departamento de Nacional de Infraestrutura e Transportes (DNIT), que seja estabelecida cláusula de repartição de riscos, que fixe limites objetivos de variação de custos de insumos betuminosos, dentro dos quais será ou não aplicável o reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos.

Evidente destacar, por fim, que a existência prévia desta cláusula no contrato não significa a inexistência de discussões futuras acerca de eventual concessão do reequilíbrio econômico financeiro para outras situações. Os profissionais deste escritório estão à disposição para todos os esclarecimentos acerca do tema.

CARLOS PACHECO
OAB/RS 128.644

PRISCILA JARDIM
OAB/RS 126.157

MAURÍCIO GAZEN
OAB/RS 71.456

Gazen Advogados

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