- Na contratação integrada regida pela Lei 12.462/2011 (RDC), o risco inerente ao desenvolvimento do
projeto básico é inteiramente alocado ao particular, não havendo permissão legal para assinatura de
aditivos por conta de eventuais imprecisões ou omissões do anteprojeto.
Relatório de acompanhamento realizado com o objetivo de verificar a regularidade das alterações promovidas pela Infraero por meio do segundo termo de aditamento ao Contrato TC 014-EG/2013/0001, cujo objeto era a execução das obras de adequação do Aeroporto Internacional Afonso Pena, em São José dos Pinhais/PR, demonstrou que essas modificações tiveram como causas, entre outras, as “supostas falhas do anteprojeto que fundamentou a licitação” e as “discussões sobre a aceitação dos projetos básico e executivo desenvolvidos pela contratada, em que as soluções tidas por insatisfatórias pela Infraero, em vez de resultarem na reprovação do projeto apresentado, originaram alterações contratuais indevidas”. Em seu voto, o relator salientou, preliminarmente, que o referido contrato foi resultante do RDC Presencial 013/DALC/SBCT/2012, no qual fora adotada a contratação integrada, instituída pela Lei 12.462/2011, como regime de execução contratual. Na sequência, a fim de evidenciar que as modificações contratuais estariam relacionadas com supostos erros de anteprojeto, o relator transcreveu o seguinte excerto da instrução da unidade técnica acerca do “aumento observado nos sistemas elétricos”: “A Infraero justificou que a Companhia Paranaense de Energia (Copel) reprovou os projetos elétricos apresentados […]. Por meio do documento […], a Copel recomendou à Infraero considerar a unificação da medição do Aeroporto Afonso Pena, em consonância com a Resolução 414/10 da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Para atendimento da recomendação da companhia de energia foi necessário o aumento de cabos e painéis elétricos. Além desta adequação, para melhoria da confiabilidade do sistema, foi alterada a tipologia para ligação em anel entre as subestações do TPS. De fato, a medição unificada apresenta benefícios tanto para a Infraero quanto para a Copel. Para a estatal, a desobrigação da atualização de projeto junto à concessionária para cada alteração de carga dos permissionários, desde que limitada ao valor de demanda contratada, representa uma economia processual grande. Para a concessionária de energia, a necessidade de acesso a centros de medição localizados em área restrita dificulta o trabalho de leitura mensal. O RDE [peça do anteprojeto] trazia a seguinte orientação quanto ao sistema elétrico: ‘Tendo em vista a demanda atual de 2.100 kVA e mais as ampliações previstas de 3.000 kVA, torna-se necessário um redimensionamento e substituição dos cabos de AT entre o último poste da Copel e o Painel de 13.8 kV, na Subestação do CEMAN. A ideia é manter o valor atual de tensão de alimentação, 13,8 kV, e alterar os cabos subterrâneos para 150 mm², aproveitando a mesma infraestrutura […]’. Do exposto, verifica-se que a substituição dos cabos era somente em um trecho (do último poste da Copel até o painel do Ceman). Além disso, a topologia em anel interligou as subestações. A unificação da medição retirou as outras entradas de energia”. O relator afirmou ser possível extrair, desse trecho da instrução técnica, que o anteprojeto “realmente apresentava algum tipo de imprecisão e/ou inadequação sobre as instalações elétricas do futuro aeroporto”, ficando patente, todavia, que “o principal fundamento do aditivo foi a não aprovação do projeto básico desenvolvido pelo próprio contratado”. Nesse contexto, assinalou que o art. 9º, § 4º, da Lei 12.462/2011 estabelece que, na contratação integrada, é vedada a celebração de termos aditivos aos contratos firmados, exceto para recomposição do equilíbrio econômicofinanceiro, decorrente de caso fortuito ou força maior, ou por necessidade de alteração do projeto ou das especificações para melhor adequação técnica aos objetivos da contratação, a pedido da Administração Pública, desde que não originada de erros ou omissões por parte do contratado. Entendeu então que os motivos elencados para o aditamento contratual do sistema de energia não poderiam ser compreendidos como “novas demandas do contratante e, ainda que se diga que os documentos disponibilizados no processo licitatório para as empresas interessadas não davam subsídios e informações suficientes para a aferição da adequabilidade do projeto elétrico do aeroporto, não seria o caso de aditar o contrato”. Ponderou também que um anteprojeto, por certo, não contém todos os elementos de um projeto executivo ou projeto definitivo, de forma que, a seu ver, sempre existirão definições, ajustes, detalhamentos, encaminhamentos e compatibilizações a serem realizados pelo construtor por ocasião da elaboração dos projetos, quando adotada a contratação integrada, cabendo a este estabelecer algumas soluções, metodologias executivas e dimensionamentos dos componentes da estrutura e das instalações da edificação. Destarte, “é bastante provável (e até desejável) que todo anteprojeto seja, em algum grau, alterado pelos projetos básico e executivo, o que está na essência da atividade de projetar, sem que caiba necessariamente a realização de aditamentos contratuais, que são em regra expressamente vedados na contratação integrada”. Repisou que uma das hipóteses legais de aditamento na contratação integrada é a alteração do projeto solicitada pela Administração, entendida como uma modificação superveniente à aprovação dos projetos básico e/ou executivo a ela submetidos, não havendo permissão legal expressa para aditamento contratual com vistas a corrigir erros ou omissões no anteprojeto, “como o que fora verificado nessa ocorrência”. O relator enfatizou que a contratação integrada é fruto da intenção do legislador do RDC em conferir maior assunção de risco para o particular, de maneira que, nas situações em que não houver alocação objetiva de riscos entre as partes, estabelecida contratualmente, o construtor acabará assumindo os eventuais encargos resultantes de incompletudes e omissões inerentes a qualquer anteprojeto. Essa, segundo ele, seria uma das principais características desse regime de execução contratual, ou seja, a transferência da responsabilidade pela elaboração do projeto básico ao contratado para execução das obras, servindo o anteprojeto precipuamente apenas como parâmetro referencial para a estimativa de custos e posterior avaliação das propostas ofertadas no certame. Observou que, nesse mesmo sentido, a Lei 14.133/2021 (nova Lei de Licitações e Contratos) dispôs, em seu art. 46, § 3º, que o risco inerente ao desenvolvimento dos projetos básicos no regime de contratação integrada é inteiramente alocado ao particular, não cabendo a assinatura de aditivos por conta de eventuais imprecisões ou omissões do anteprojeto: “§ 3º Na contratação integrada, após a elaboração do projeto básico pelo contratado, o conjunto de desenhos, especificações, memoriais e cronograma físico-financeiro deverá ser submetido à aprovação da Administração, que avaliará sua adequação em relação aos parâmetros definidos no edital e conformidade com as normas técnicas, vedadas alterações que reduzam a qualidade ou a vida útil do empreendimento e mantida a responsabilidade integral do contratado pelos riscos associados ao projeto básico.” (grifos do relator). Da mesma forma, asseverou que a Lei 13.303/2016 (Lei das Estatais), na qual os procedimentos licitatórios da Infraero “estão atualmente subsumidos”, prevê a alocação de riscos do desenvolvimento dos projetos aos particulares: “Art.41…§3º Nas contratações integradas ou semi-integradas, os riscos decorrentes de fatos supervenientes à contratação associados à escolha da solução de projeto básico pela contratante deverão ser alocados como de sua responsabilidade na matriz de riscos”. Retomando o caso concreto, o relator deixou assente que, dos elementos existentes nos autos, muitas das modificações promovidas por meio do segundo termo de aditamento contratual ocorreram “dentro de processo natural de revisão e aceitação dos projetos básicos desenvolvidos pelo consórcio construtora, o que não é um motivo previsto para o aditamento contratual”, restando claro que “o arranjo arquitetônico existente no anteprojeto foi meramente referencial, e a contratada teve ampla liberdade para inovar e definir a solução que atendesse aos requisitos de acessibilidade estipulados, devendo arcar com as próprias escolhas feitas”. Por derradeiro, com base no art. 9º, § 2º, inciso I, da Lei 12.462/2011, segundo o qual o instrumento convocatório da licitação deverá conter anteprojeto de engenharia que contemple os documentos técnicos destinados a possibilitar a caracterização da obra ou serviço, incluindo “a estética do projeto arquitetônico”, concluiu que o anteprojeto não é um documento definitivo e acabado, e sim “elemento preliminar que servirá como embasamento para a futura elaboração do projeto básico pela licitante vencedora”. E arrematou: “Assim, há uma clara diferenciação entre o projeto inicialmente desenvolvido pela contratada, o qual pode adotar critérios e metodologias diferenciadas de execução em relação ao anteprojeto da licitação, incluindo a disciplina de arquitetura, e uma posterior alteração do objeto, solicitada pelo órgão contratante, após já haver aprovado os projetos elaborados pelo construtor. Obviamente, apenas na segunda hipótese caberia a celebração do aditivo contratual”. Ao final, o relator propôs e o Plenário decidiu, entre outras medidas, cientificar a Infraero das seguintes irregularidades constatadas no segundo termo de aditamento ao contrato TC 014-EG/2013/0001: i) “houve falhas diversas na definição do objeto e no planejamento da licitação, consubstanciadas no anteprojeto de engenharia deficiente, em desconformidade com o art. 9º, § 2º, inciso I, da Lei 12.462/2011 c/c o art. 42, inciso VII e § 1º, inciso I, alínea “a”, da Lei 13.303/2016”; ii) “alguns acréscimos observados decorreram da não aceitação do projeto básico pela administração por sua inadequação ao anteprojeto e não de alterações de escopo ou de novos encargos impostos pela Infraero, caracterizando aditamento irregular do ajuste, haja vista que a inadequação do projeto desenvolvido pela contratada deve ensejar a sua rejeição, e não a alteração do contrato para contemplar a solução desejada pelo contratante, em violação ao art. 66, § 2º, do Decreto 7.581/2011”.
Acórdão 831/2023 Plenário, Acompanhamento, Relator Ministro Benjamin Zymler.