Informativo TCU 463

1.Em licitação promovida por empresa estatal, pode o instrumento convocatório estabelecer limitação
temporal de atestados para comprovação de qualificação técnica (art. 58, inciso II, da Lei 13.303/2016), desde que essa exigência esteja devidamente motivada e não restrinja o caráter competitivo do certame. Ao apreciar representação que apontava possíveis irregularidades na Licitação Eletrônica 2022/04603, promovida pelo Banco do Brasil (BB) com vistas à “contratação de contact center, com fornecimento de infraestrutura, para prestação de serviços à Central de Relacionamento do Banco do Brasil – CRBB, na cidade de Recife/PE”, o Pleno do TCU, por meio do Acórdão 727/2023-Plenário, decidiu, entre outras providências, cientificar a entidade da seguinte impropriedade identificada no referido certame: “c.2) estipulação de restrição temporal dos atestados de capacidade técnica, por meio do item 10.3.4.2.5 do edital do certame, em desacordo com a jurisprudência do TCU, a exemplo dos Acórdãos 2.163/2014-TCU-Plenário e 2.032/2020-TCU-Plenário”. Em face do conteúdo do aludido item “c.2”, o BB opôs embargos de declaração alegando, entre outros aspectos, que o julgado incorrera em omissão ao deixar de se manifestar quanto ao disposto no item 9.2 do Acórdão 18.965/2021-2ª Câmara. O mencionado dispositivo dera ciência ao BB sobre impropriedade identificada na Licitação Eletrônica 2020/0244, que tivera por objeto a contratação de serviços continuados de outsourcing para operação de almoxarifado virtual, “de que a ausência de justificativa técnica quanto à exigência de limitação temporal, para fins de habilitação técnica, de atestados dos serviços prestados de maneira concomitante, contraria os princípios da motivação e da competitividade (art. 2º do Regulamento de Licitações e Contratos do BB)”. Segundo o embargante, esse dispositivo permitiria ao BB, em situações excepcionais e com a devida fundamentação, exigir a apresentação de atestados de capacidade técnica limitados a determinado período. Entre as irregularidades apontadas nesse certame, constara a exigência de habilitação técnica relativa à temporalidade dos serviços prestados a 1.500 municípios por três meses, “dentro dos últimos 12 meses”, contrariando “o princípio da competitividade (art. 2º do Regulamento de Licitações e Contratos do BB) e a jurisprudência do TCU, a exemplo do Acórdão 2.032/2020-
TCU-Plenário”. Diante desse fato, de acordo com o embargante, restariam comprovadas, em relação ao objeto da Licitação Eletrônica 2022/04603, ora em debate, peculiaridades que justificariam a exigência, a exemplo do tipo de serviço licitado, além de sua relevância e extensão para o atual desenvolvimento das atividades bancárias. Destarte, a exigência de que o licitante comprovasse experiência na prestação do serviço em período recente mostrar-se-ia, a seu ver, “não apenas razoável, mas recomendada”, ante a necessidade de que a empresa prestadora de serviços “esteja atualizada em relação às mais recentes normas de regulação, técnicas de treinamento de pessoal e de atendimento ao cliente”. Com base nas suas argumentações, o BB requereu o conhecimento dos embargos com efeito infringente, alterando-se o julgado no sentido de “admitir a possibilidade de limitação temporal dos atestados de capacidade técnica, desde que a restrição seja devidamente justificada”. Em seu voto, o relator salientou, preliminarmente, que, no voto condutor da decisão invocada pelo embargante (Acórdão 18.965/2021-2ª Câmara), consignara-se que os argumentos apresentados pelo BB, naquela oportunidade, não foram suficientes para demonstrar o cabimento das “minuciosas exigências” de capacidade técnica no requisito de limitação aos últimos doze meses. Nesse sentido, transcreveu o seguinte excerto daquele voto: “17. Como resultado, verificou-se baixa concorrência na licitação, uma vez que somente três empresas compareceram ao chamamento, sendo que apenas duas apresentaram propostas. 18. Na linha defendida pela Selog, entendo que os argumentos trazidos pelos gestores não foram suficientes para demonstrar o cabimento das exigências minuciosas de capacidade técnica constantes dos itens 8.3.10 a 8.3.10.2 do edital. Em que pese a distribuição territorial das agências bancárias pelo País, o requisito de limitação aos últimos 12 meses para a comprovação do atendimento às exigências não foi justificado pelo Banco do Brasil. 19. Con sidero que a restrição temporal nesse caso age no sentido de limitar o número de participantes e interessados no certame, e tem pouca utilidade como critério de seleção de licitantes mais capacitados para bem cumprir o objeto da licitação. 20. Isso porque o incentivo que o limite temporal para comprovação das exigências dá ao mercado é de que o interesse do Banco é contratar uma empresa que tenha prestado os serviços no último ano, nas condições estritas estabelecidas no edital. A observância dessa condição não necessariamente significa que os serviços tenham sido prestados pelas firmas mais habilitadas tecnicamente. Portanto, entendo adequada a expedição de ciência ao Banco do Brasil, nos termos do art. 9º, inciso I da Resolução-TCU 315/2020, de forma a orientar a atuação do Banco controlado pelo poder público”. Posto isso, o relator manifestou-se no sentido da rejeição da tese do embargante de que o item 9.2 do Acórdão 18.965/2021-2ª Câmara “constitui autorização taxativa para que o Banco do Brasil possa estabelecer limitações temporais aos atestados de capacidade técnica, pois, a uma, pela falta de caráter normativo de uma decisão de abrangência incidental, a duas por se tratar, em essência, de ciência de irregularidade que visou reorientar a atuação da unidade jurisdicionada, de forma a evitar que limitações à competitividade sem justificativas plausíveis viessem novamente ser adotadas”. Nada obstante, considerou que a decisão embargada apresentava, sim, omissão ao não considerar que, de acordo com o paradigma estabelecido pela Lei 13.303/2016, o legislador “logrou por ultimar, por meio do inciso II do art. 58 daquele Estatuto, que os parâmetros para aferição da qualificação técnica seriam estabelecidos pelo instrumento convocatório”. Chamou a atenção ainda para o fato de que a unidade técnica destacara a ausência de irregularidade na exigência de experiência mínima de três anos de execução de serviço com objeto similar ao licitado no certame em tela, ressaltando, inclusive, que tal exigência estava de acordo com a jurisprudência do TCU, segundo a qual, para fins de qualificação técnico-operacional, pode-se exigir comprovação de experiência mínima na execução de serviços continuados semelhantes ao objeto da contratação em lapso temporal superior ao prazo inicial do contrato, a exemplo do Acórdão 14.951/2018-1ª Câmara; todavia, o problema apontado pela unidade instrutiva fora a exigência de que os atestados de capacidade técnica fossem restritos aos últimos três anos, o que, para ela, iria de encontro à jurisprudência do Tribunal, no sentido de que “é indevido o estabelecimento de limitações temporais ou quantitativas em relação ao número ou antiguidade das certidões apresentadas com o objetivo de comprovar a qualificação técnica dos licitantes”. O relator afirmou que, de fato, a jurisprudência do TCU repudiava a restrição temporal de atestados, especialmente em função das regras contidas no art. 30, § 5º, da Lei 8.666/1993, e que, de forma semelhante, tal restrição também fora acolhida pela Lei 14.133/2021 (nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos), ao assim dispor: “Art. 67. A documentação relativa à qualificação técnico-profissional e técnico-operacional será restrita a: […] § 1º A exigência de atestados será restrita às parcelas de maior relevância ou valor significativo do objeto da licitação, assim consideradas as que tenham valor individual igual ou superior a 4% (quatro por cento) do valor total estimado da contratação. § 2º Observado o disposto no caput e no § 1º deste artigo, será admitida a exigência de atestados com quantidades mínimas de até 50% (cinquenta por cento) das parcelas de que trata o referido parágrafo, vedadas limitações de tempo e de locais específicos relativas aos atestados.” (grifos do relator). Entretanto, ponderou o relator, as licitações do BB são regidas pela Lei 13.303/2016, que estabelece regras para as contratações realizadas por empresas estatais, normativo que traz disposição distinta acerca da qualificação técnica: “Art. 58. A habilitação será apreciada exclusivamente a partir dos seguintes parâmetros: […] II – qualificação técnica, restrita a parcelas do objeto técnica ou economicamente relevantes, de acordo com parâmetros estabelecidos de forma expressa no instrumento convocatório;” (grifos do relator). O relator reconheceu que, inicialmente, e em conformidade com o precedente adotado pelo Tribunal no âmbito do Acordão 2.032/2020-Plenário, compreendia que a limitação temporal de atestados configuraria restrição à competitividade, princípio resguardado pelo art. 31, caput, da Lei 13.303/2016. No entanto, “após aprofundar o exame das questões postas”, entendeu que o legislador “logrou por ultimar, por meio do inciso II do art. 58”, que os parâmetros para aferição da qualificação técnica seriam estabelecidos pelo instrumento convocatório, sem prejuízo da obediência aos princípios consagrados no art. 31, caput, da Lei das Estatais. Concluiu então que a legislação de regência optou por conferir maior autonomia ao administrador no âmbito das estatais, ao remeter o estabelecimento de parâmetros para o edital da licitação, razão por que, “se a limitação temporal de atestados for devidamente motivada, tecnicamente justificável, estiver de acordo com os parâmetros estabelecidos no instrumento convocatório e observar os princípios legais e regulamentares pertinentes, especialmente a busca pela competitividade no certame, não há irregularidade”. Frisou, inclusive, que, em determinadas circunstâncias, “caberá ao gestor motivar se a restrição temporal é de fato a forma mais efetiva de se assegurar a qualificação técnica do licitante frente às mudanças do mercado, pois podem existir situações em que a mera restrição de atestados a períodos curtos e recentes não será suficiente para assegurar a qualificação técnica, visto que não avalia de forma definitiva a experiência do licitante na aplicação de novas tecnologias e metodologias”. Retornando ao certame em apreço, o relator constatou que dele participaram oito empresas, “tendo sido analisada a documentação apenas da arrematante, que foi habilitada”. Dessa forma, “foi possível concluir que, apesar da estipulação de restrição temporal dos atestados de capacidade técnica, houve satisfatória concorrência entre os licitantes, sem indícios de restrição ao caráter competitivo, principalmente considerando-se a alta materialidade da contratação”. Ao final, o relator propôs, e o Plenário decidiu, acolher parcialmente os embargos de declaração e tornar insubsistente o item “c.2” do Acórdão 727/2023-Plenário.

Acórdão 1378/2023 Plenário, Embargos de Declaração, Relator Ministro Vital do Rêgo.

2. É possível, para fins de qualificação técnica em licitações realizadas por empresas públicas e sociedades de economia mista, a utilização de indicadores de avaliação de desempenho de licitantes na execução de contratos anteriores com a entidade promotora do certame, desde que prevista no instrumento convocatório e restrita às parcelas do objeto técnica ou economicamente relevantes (art. 58 da Lei 13.303/2016 – Lei das Estatais). Representação formulada ao TCU apontou possível irregularidade em procedimentos licitatórios realizados pela Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobras) que tinham como objeto a contratação de empresa para “fornecimento de alimentação a funcionários em instalações da estatal”. A representante se insurgiu, em essência, contra exigências de habilitação contidas nos editais que, em sua ótica, acarretariam frustração da competitividade, favorecimento de empresas e “violações de critérios legais e constitucionais”. Segundo ela, seriam ilegais, ou sem fundamentação técnica, os critérios adotados pela Petrobras, para fins de qualificação técnica de licitantes, intitulados Índice de Desempenho do Fornecedor (IDF) e Boletim de Avaliação de Desempenho (BAD). Foi, então, realizada a oitiva da Petrobras para se manifestar sobre a “motivação para a inclusão nos editais de critérios de desempenho a título de Índice de Desempenho de Fornecedor (IDF), para habilitação técnica de licitantes”. Conforme manifestação da estatal, tais índices seriam uma ferramenta de gestão para registro de avaliação de desempenho de suas contratadas. Mais especificamente, “as avaliações de desempenho referentes à prestação de serviços analisam o comportamento das empresas quanto a prazo, qualidade, gestão e SMS [segurança, meio ambiente e saúde], enquanto as avaliações referentes ao fornecimento de bens analisam o seu comportamento quanto a prazo e qualidade. Em outubro de 2016 a Petrobras implantou o IDF – índice de desempenho do fornecedor- como ferramenta de avaliação de desempenho de fornecedor nos contratos de fornecimento de bens e prestação de serviços firmados entre a ‘Petróleo Brasileiro S.A’ e seus fornecedores. Para contratos de prestação de serviços, vigentes antes do início do IDF, o BAD – boletim de avaliação de desempenho – permanece como ferramenta para avaliação de desempenho do fornecedor. Nesses casos as notas BAD (0 a 100) são convertidas em notas IDF (1 a 6), podendo ser visualizadas no portal de cadastro (Petronect)”. Assim, a Petrobras utilizaria essas notas como critério de habilitação em novos certames, aplicáveis àquelas empresas que com ela já contrataram. Para as demais empresas licitantes, que não possuíssem contratos prévios com a estatal, seriam aplicáveis outros critérios de verificação de suas competências técnicas, como atestados de execução prévia de serviços correlatos a empresas de porte relevante. Ao apreciar as justificativas da entidade, a unidade técnica afirmou que, ao não definir – diferentemente da Lei 8.666/1993 – a forma como deverá ser demonstrada a qualificação técnica das licitantes, o art. 58, inciso II, da Lei 13.303/2016 (Lei das Estatais) “abre espaço para que a estatal estabeleça, de forma razoável e justificada, os requisitos pertinentes ao caso concreto”, e que não considerava excessiva a exigência de que as licitantes que tenham contratado anteriormente com a Petrobras revelem histórico de desempenho satisfatório, avaliado na forma do IDF. Para a unidade técnica, o critério, “além de amparado no inciso II do art. 58 da Lei 13.303/2016, mostra-se adequado, a nosso juízo, para o atingimento do interesse público. Dito de outra forma, ao consolidar relevantes informações sobre a atuação das licitantes outrora contratadas pela Petrobras, o IDF fornece à Administração elementos cuja consideração resta inequivocamente associada à qualificação técnica, mais especificamente à capacidade técnico-operacional das empresas. Assim como a efetiva capacidade técnica da licitante – demonstrada por atestados fornecidos por outros contratantes – precisa ser avaliada pela Petrobras, também é razoável admitir que a eventual falta desse atributo seja considerada na mesma avaliação”. Em seu voto, o relator, preliminarmente, pontuou que “o IDF (sucessor do BAD) representa o desempenho do fornecedor na prestação de serviços e fornecimento nos últimos 12 meses, avaliado a cada medição de serviços, podendo variar de 1 (péssimo) a 6 (excelente)”, e que os fornecedores da estatal podem consultar e acompanhar a evolução do seu desempenho no sistema Petronect, assim como todos os detalhes sobre o funcionamento do IDF e do BAD. Na sequência, concordou com a unidade técnica no sentido de que a Lei das Estatais confere maior liberdade nas contratações às empresas públicas e sociedades de economia mista, quando comparada à das demais unidades da Administração Pública regidas pelas Leis 8.666/1993 e 14.133/2021. A corroborar sua assertiva, transcreveu o seguinte excerto do voto condutor do Acórdão 739/2020-Plenário: “No bojo da Lei 8.666/1993 (arts. 27 a 31), há uma descrição mais pormenorizada dos documentos que podem ser exigidos na fase de habilitação. Já no bojo da Lei 13.303/2016, o legislador optou por não especificar os documentos exigíveis, permitindo que as empresas fizessem a adaptação necessária de acordo com as peculiaridades de suas atuações no mercado. Com efeito, o novo diploma das empresas estatais, com respaldo no art. 173 da Constituição Federal, busca assegurar às estatais um regime jurídico semelhante aos das empresas privadas. Assim, com uma maior flexibilidade de atuação, as empresas públicas e as sociedades de economia mista terão melhores condições de atingir seus objetivos estatutários com a eficiência esperada pela sociedade”. O relator também assinalou que o IDF fora instituído pela Petrobras “em evolução ao BAD”, sendo disciplinado em normativo interno (PP-1PBR-00277), o qual define como finalidades do índice, entre outras, o suporte à tomada de decisões em aditivos e rescisões contratuais, assim como sua utilização como critério de habilitação e de desempate em licitações. Nesse contexto, enfatizou o relator, não seria então“um critério aleatório, mas algo institucionalizado”, e que “o site da Estatal explicita que os referidos índices subsidiam eventuais inabilitações em licitação e desqualificações do registro cadastral de fornecedores”. Por fim, o relator deixou assente que, ainda que não aplicável ao caso sob exame, a Lei 14.133/2021 (nova Lei de Licitações e Contratos), em seus arts. 87 e 88, instituiu o registro cadastral unificado de licitantes, em que deverão constar informações sobre o desempenho das empresas na execução contratual, baseadas em indicadores objetivamente definidos e aferidos, e eventuais penalidades aplicadas, ou seja, “instrumento correlato ao utilizado pela Petrobras”. E com o registro cadastral, o legislador “busca diminuir a assimetria de informações existentes entre a Administração e o licitante e criar incentivo para o que os fornecedores cumpram o contrato adequadamente, ante a expectativa de controle gerada pela possível divulgação de informações desabonadoras em seu cadastro”. Ao final, o relator propôs e o Plenário decidiu considerar improcedente a representação, sem prejuízo de “recomendar à Segecex que inclua em seu plano de fiscalizações ação de controle na Petrobras para avaliar os indicadores de desempenho de fornecedores (a exemplo do IDF e do BAD), utilizados para diversas funções, como, por exemplo, a habilitação técnica de empresas licitante, contemplando no trabalho, dentre outros aspectos, a adequação dos critérios de avaliação e da respectiva aplicação, a transparência do processo e seus efetivos resultados”.

Acórdão 1312/2023 Plenário, Representação, Relator Ministro Jorge Oliveira.

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