1. A análise isolada de apenas um dos componentes do preço, custo direto ou BDI, não é suficiente para caracterizar sobrepreço ou superfaturamento, pois BDI elevado pode ser compensado por custo direto subestimado, de modo que o preço do serviço contratado esteja compatível com os parâmetros de mercado. Após apreciar tomada de contas especial (TCE) instaurada pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) em desfavor de diversos empregados e ex-empregados da entidade em razão de irregularidades na execução de contratos de serviços de manutenção predial, sob demanda, de unidades localizadas na Diretoria Regional da Bahia, decorrentes dos Pregões 3/2009 (Contrato 44/2009), 4/2010 (Contrato 54/2010), 6/2010 (Contrato 52/2010), 7/2010 (Contrato 55/2010), 12/2010 (Contrato 93/2010) e 13/2010 (Contrato 95/2010), a Primeira Câmara do TCU, por meio do Acórdão 4710/2022, considerou que não subsistiam as irregularidades geradoras de dano ao erário, razão pela qual arquivou os autos por ausência dos pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo, com fundamento no art. 212 do Regimento Interno do Tribunal (RITCU). Irresignada, a ECT interpôs recurso de reconsideração, aduzindo, entre outros argumentos, a “possibilidade de os empregados da estatal adotarem conduta diversa, selecionando propostas em que o índice do BDI fosse o mais próximo possível da média indicada pela ECT e pelo TCU”. Em sua instrução, a unidade técnica propôs o não conhecimento do recurso de reconsideração, por não ser cabível a espécie recursal escolhida para combater decisões terminativas. Alternativamente, caso assim não se entendesse, opinou no sentido de que fosse negado provimento ao recurso, dada a ausência dos pressupostos de constituição e de validade da TCE. Em seu voto, o relator manifestou-se de acordo com o “encaminhamento alternativo sugerido” pela unidade instrutiva, ratificando o conhecimento do recurso em apreço. Para ele, embora o art. 285 do RITCU mencione que, de decisão definitiva em processo de tomada de contas especial, cabe recurso de reconsideração, “não se pode interpretar restritivamente esse dispositivo para impedir a impugnação, por essa via recursal, de decisões terminativas. Além de a Lei Orgânica do TCU não trazer qualquer limitação (art. 33), caso se entenda por uma hipótese de cabimento restritiva, como quer a unidade técnica, não haveria outro recurso aplicável com efeito devolutivo amplo”. Lembrou também que “o Código de Processo Civil se aplica subsidiariamente ao processo de controle externo, consoante disposto no art. 298 do Regimento Interno do TCU. Ou seja, na hipótese de uma lacuna que gera duas interpretações possíveis, deve ser privilegiada a orientação que esteja conforme o CPC. De acordo com essa norma, indeferida a petição inicial, é cabível o recurso de apelação, nos termos do art. 331, que tem efeito devolutivo pleno, devendo ser a questão reavaliada por outro julgador”. Quanto ao mérito, especificamente acerca das irregularidades apontadas pela recorrente relativas ao pagamento de Benefícios e Despesas Indiretas (BDI) sobre as rubricas “taxa de visita” e “taxa de supervisor”, o relator chamou a atenção, preliminarmente, para o modelo de contratação adotado, segundo o qual, “em vez de contratar serviços de manutenção predial em cada uma das localidades em que a ECT esteja instalada, optou-se pela centralização contratual, em que a empresa contratada deveria prestar serviços em várias localidades, se demandada”. Exatamente por isso, acrescentou o relator, a taxa de visita “corresponde ao valor a ser pago à contratada quando for demandada para visitar as unidades dos Correios e executar serviços. Consta nos instrumentos convocatórios que, a cada ordem de serviço, seria pago apenas uma taxa de visita, independentemente do número de vezes que a contratada tivesse que se deslocar para atendimento da solicitação”. E, pelo que constava dos autos, a aludida taxa de visita “não estava presente em todos os contratos. Em alguns, previu-se o pagamento pela visita de supervisor de equipe de nível técnico”. Feita essa contextualização, o relator afirmou que a simples incidência de BDI sobre tais custos diretos não configuraria, a seu ver, prejuízo ao erário, “até porque essas rubricas se assemelham com custos de mobilização/desmobilização e com a administração local, sobre os quais incidem tributos, taxas de risco, seguro e garantia dos serviços, além do lucro legítimo da empresa contratada”. Outrossim, frisou que, “ainda que o percentual de BDI seja considerado alto em alguns casos (os percentuais variavam entre 20% e 40,23%, a depender do contrato), isso por si só não pode ser considerado débito”. Para embasar o seu posicionamento, o relator invocou a jurisprudência do TCU, consolidada no entendimento de que “a análise isolada de apenas um dos componentes do preço, custo direto ou BDI, não é suficiente para caracterizar o sobrepreço ou o superfaturamento, pois um BDI elevado pode ser compensado por um custo direto subestimado, de modo que o preço do serviço contratado esteja compatível com os parâmetros de mercado”. Em razão de inexistir nos autos avaliação do preço final (custo + BDI) das taxas de visita e de supervisão, o relator chegou a suscitar a possibilidade de o Tribunal determinar, de ofício, que tal avaliação fosse feita, todavia, por se tratar de serviços prestados há mais de treze anos, avaliou que a medida traria poucos resultados práticos, uma vez que a matéria precisaria ser submetida ao contraditório e haveria grande risco de prescrição. Assim, após analisar e rebater os demais argumentos trazidos pela ECT, reputou adequada a decisão adotada na instância a quo, razão pela qual propôs, e o colegiado acolheu, conhecer do recurso para, no mérito, negar-lhe provimento.
Acórdão 10929/2023 Primeira Câmara, Recurso de Reconsideração, Relator Ministro Benjamin Zymler.