1. O interessado em questionar eventuais irregularidades em processo licitatório deve acionar inicialmente o órgão ou a entidade promotora do certame, e somente após, se necessário, ingressar com representação no TCU, a fim de evitar duplicação de esforços de apuração em desfavor do erário e do interesse público, considerando o princípio constitucional da eficiência e as disposições do art. 169 da Lei 14.133/2021 (nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos).
Representação formulada ao TCU indicou possível irregularidade no Pregão Eletrônico 7/2023, promovido pelo Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo no Estado do Goiás (Sescoop/GO) para contratação de empresa especializada em administração e gerenciamento de cartões eletrônicos, por meio de sistema informatizado, compreendendo o fornecimento de combustíveis para utilização nos veículos da frota do Sescoop/GO. A empresa representante apontou a vedação à oferta de lances com taxa negativa e afirmou a existência de dano irreversível à Administração Pública caso o TCU não suspendesse imediatamente o certame, com a seguinte justificativa: “inúmeras gerenciadoras estariam sendo tolhidas do seu direito de participação no pregão, prejudicando a unidade jurisdicionada por não poder alcançar a proposta mais vantajosa e, secundariamente, a população”. Em sua instrução, a unidade técnica verificou que a empresa, concomitantemente à apresentação da representação ao TCU, impugnara o edital no âmbito da entidade contratante, obtendo resultado favorável ao seu pleito no dia seguinte. Diante da correção da ilegalidade identificada no edital, a unidade instrutiva concluiu que a representação deveria ser considerada prejudicada por perda de objeto, ao tempo em que ponderou sobre a ausência de necessidade de a representante peticionar ao TCU, ante a decisão proferida na própria instância administrativa, o que, segundo ela, configuraria litigância de má-fé, passível de aplicação de multa. Ressaltou ainda que, embora a questão pudesse não necessariamente tratar de defesa de interesses predominantemente privados, “restou configurada prática reiterada por parte da empresa, apesar dos diversos alertas emitidos à representante”, conforme os Acórdãos 572/2022, 1.061/2022, 1.089/2022, 1.123/2022 e 1.882/2022, todos do Plenário. Diante da possibilidade de aplicação da multa prevista nos arts. 80 e 81 do CPC, foi realizada a oitiva da representante, em homenagem aos princípios do contraditório e da ampla defesa, para manifestação sobre a configuração de litigância de má-fé. Em síntese, a empresa alegou que não haveria “barreiras legais de remessa ao TCU”, ressaltando que a representação atenderia integralmente aos requisitos estabelecidos no art. 235 do Regimento Interno do TCU. Discorreu também sobre o papel do TCU na fiscalização de licitações públicas e sobre a “ausência de julgamento das impugnações ou retardamento de suas publicações no sistema Comprasnet”, e concluiu pela ausência de má-fé processual, uma vez que as representações que protocolara no TCU seriam o “pleno exercício do direito de se dirigir ao Tribunal independentemente de haver provocado o órgão jurisdicionado, inexistindo interesse privado”. Após o exame das justificativas apresentadas, a unidade técnica reiterou o entendimento no sentido de que estaria, sim, configurada a litigância de má-fé da representante, ensejando a aplicação de multa. Em seu voto, preliminarmente, o relator concordou que, diante da pronta adequação do edital por parte do Sescoop/GO, com o afastamento da irregularidade acerca da vedação a ofertas de lances com taxa negativa, “constata-se a perda de objeto da presente representação”. Contudo, chamou-lhe atenção a quantidade de deliberações em que o TCU informara à empresa representante que, “considerando o princípio da eficiência insculpido no art. 37 da Constituição Federal e as disposições previstas no art. 169 da Lei 14.133/2021, deve o interessado acionar inicialmente a primeira e a segunda linhas de defesa, no âmbito do próprio órgão/entidade, antes do ingresso junto à terceira linha de defesa, constituída pelo órgão central de controle interno e tribunais de contas” (grifos originais). Nesse sentido, sustentou o relator, “deve-se evitar, por exemplo, a apresentação de pedidos de esclarecimentos ou impugnação a edital lançado, ou mesmo de recurso administrativo, concomitantemente com o ingresso de representações/denúncias junto a esta Corte de Contas, sob pena de poder acarretar duplos esforços de apuração desnecessariamente, em desfavor do erário e do interesse público, consoante Acórdãos 572/2022-TCU-Plenário, de minha relatoria, 1.061/2022-TCU-Plenário, relator Ministro Aroldo Cedraz, 1.089/2022-TCU-Plenário, relator Ministro Antônio Anastasia, 1.123/2022-TCU-Plenário, relator Ministro Aroldo Cedraz, e 1.882/2022-TCU-Plenário, relator Ministro-Substituto Marcos Bemquerer Costa” (grifo original). Portanto, na esteira do que fora “bem explanado pela unidade técnica, de acordo com a jurisprudência desta Casa, em homenagem ao princípio da eficiência insculpido constitucionalmente, a prévia apresentação de questionamento ou impugnação à entidade contratante se mostra mais salutar, já que busca primeira e diretamente solucionar as alegações de irregularidade. Somente após negativa ao seu pleito ou omissão em decidir pela entidade contratante, poder-se-ia, se assim desejar, entrar com representação junto a essa Corte de Contas”. O relator enfatizou que a Lei 14.133/2021 (nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos) “também traz a mesma orientação em seu art. 169, ao dispor que o tribunal de contas está representado na terceira linha de defesa no controle das contratações públicas”. Ademais, segundo ele, “os recursos do controle externo e, neste caso específico, do Tribunal de Contas da União, são limitados e escassos frente às suas diversas competências constitucionais e legais”, e que tal preocupação já fora demonstrada diversas vezes, como por exemplo nos Acórdãos 45/2022 e 10.740/2021, ambos da Primeira Câmara, razão pela qual “não se justifica a alocação dos limitados meios fiscalizatórios do TCU com vistas à apuração dos fatos trazidos pela representante, pois, no caso concreto, houve pedido de impugnação versando sobre as mesmas alegações, que ainda estava pendente de análise pela unidade jurisdicionada quando entrou com essa representação junto ao TCU, sendo o edital adequado no dia seguinte ao pleito. É justamente essa a situação que se busca evitar – a duplicidade custosa e absolutamente desnecessária de esforços e de recursos públicos”. Destarte, “diante da conduta reiterada da representante, mesmo após expressamente alertada diversas vezes pelo Pleno da Casa”, anuiu à proposta da unidade técnica de aplicação da multa prevista no art. 81 do CPC. Ao final, o relator propôs, e o colegiado decidiu, considerar prejudicada a apreciação do mérito da representação, por perda de objeto, tendo em vista a “procedência da impugnação ao edital apresentada pela representante junto ao Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo no Estado do Goiás”, sem prejuízo de aplicar à representante a multa prevista no art. 81 do CPC, aplicado subsidiariamente no Tribunal (art. 15 do CPC e art. 298 do Regimento Interno/TCU), “no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), em razão de estar configurada a litigância de má-fé ante a prática reiterada de movimentar os limitados meios fiscalizatórios do TCU, com vistas à apuração do fato trazido à colação pela representante, quando a própria entidade, também questionada pela representante, adotou as medidas necessárias para correção da falha cometida, em que pese os diversos alertas dados (Acórdãos 572/2022, 1.061/2022, 1.089/2022, 1.123/2022 e 1.882/2022, todos de Plenário)”.
Acórdão 10038/2023 Segunda Câmara, Representação, Relator Ministro Vital do Rêgo.