A regra da licitação prévia na Administração tem assento em duas finalidades: uma econômica, que significa maior vantagem para a administração; a outra isonômica-jurídica , que implica iguais oportunidades aos particulares que oferecem serviços, obras, bens à administração” (Manual de Direito Administrativo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 151).
O mestre MIGUEL REALE JÚNIOR ensina: “merece, a nosso ver, destaque a criminalidade dourada corruptora, ou seja, a praticada por empresas detentoras de poder econômico e político, que, em geral mancomunadas com agentes oficiais, atingem a Administração Pública, por exemplo, cartelizando a participação em processos licitatórios, ou uniformizando preços e elevando-os injustificadamente na prestação de serviços ao Estado”. Se duvidar é premissa nuclear dos contratos administrativos em geral, a licitação prévia à escolha do contratado dom Poder Público, mesmo quando se esteja diante de outro termos congênere ou mesmo um quase-contrato, (art.116/8.666/93 ).
Portanto, no que tange especificamente às licitações, quando ocorra a dispensa ou a declaração de inexigibilidade fora das hipóteses legais, tem-se claramente a submissão do interesse público ao interesse privado de quem pretende contratar com a administração pública – sobressai então a ILEGALIDADE.
E, justamente para se evitar que o agente privado passe a comandar o funcionamento do serviço público em seu próprio e exclusivo proveito é exigida toda uma gama de formalidades, evitando, assim, o estabelecimento de condições privilegiadas de particulares. E a própria Lei de licitações trouxe disposições de natureza penal para punir os infratores:
No artigo 90 da Lei 8.666/93, o que se tem , de acordo com Diógenes Gasparini, é a criminalização do gentlemen’s agreement: “a frustração e a fraude ao princípio da competitividade devem ocorrer mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente. Há que existir, assim, uma ação combinada ou ajustada para alcançar esse intento entre, no mínimo, duas pessoas. Esses agentes podem ser participantes (pessoas físicas ou jurídicas ou uma e outra) do certame ou um concorrente (pessoa física ou jurídica) e um servidor, desde que responsável pela licitação” (Crimes na licitação. São Paulo: NDJ, 2001, p. 192).
Sob o enfoque da probidade administrativa, o inciso VIII do artigo 10 da Lei 8.429, de 1992, em sua primeira parte, desenha precisamente a hipótese da frustração da licitude de processo licitatório. Com efeito, mesmo o fornecimento de bens e serviços à administração pública, num certo sentido, pode ser considerado uma forma de manifestação da participação no exercício do poder desta mesma administração. Nisto, aliás, é que se pode ter uma ideia do que significou a revogação do artigo 171 da Constituição Federal, no qual se estabelecia para a empresa brasileira de capital nacional inclusive preferência em licitações.
O crime definido no artigo 91 da Lei 8.666/93 é, consoante Diógenes Gasparini, “muito semelhante ao consignado no art. 321 do Código Penal chamado advocacia administrativa. O preceptivo em comento não abrange todo e qualquer interesse privado junto à administração pública, mas unicamente os ligados à instauração da licitação e à celebração do contrato” (op. cit. p. 107-108). Mostra-se evidente a razão de ser da criminalização da conduta e a própria importância para que se não criem situações privilegiadas no mercado, de tal sorte que venha a se frustrar da regra geral da concorrência prévia aos contratos públicos, enquanto valor constitucionalmente protegido, em verdade, cláusula pétrea da Carta Magna.
O artigo 95 da Lei 8.666/93 criminaliza a conduta de afastar ou procurar afastar licitante, por meio de violência, grave ameaça, fraude ou oferecimento de qualquer vantagem. Heleno Cláudio Fragoso, olhos postos no revogado artigo 335 do Código Penal: “o afastamento de licitante é a forma mais eficiente de comprometer o êxito da concorrência ou da hasta pública, simplesmente porque elimina a competição. Aqui, poder-se-ia visualizar também a hipótese de terceirizações para determinados agentes privados, previamente determinados, de tal sorte que a alguns privilegiados – os mais iguais – fosse assegurada a forma de enriquecer à custa da necessidade coletiva. E neste giro não se admite a criatividade interpretativa de estendimento das hipóteses de exceção a regra.
Por todo o antes exposto, conclui-se que a licitação pública é a regra precedente aos contratos administrativos em geral, sendo somente excepcionada nas estritas hipóteses da Lei 8.666/93, em especial as constantes nos arts. 24 e 25 – dispensas e inexigibilidades.