A Gazen Advogados, no intuito de manter-se sempre atualizada acerca da legislação e do direito acerca dos impactos das enchentes que devastaram o Estado do Rio Grande do Sul, vem produzindo materiais sobre o tema.
Confira aqui a análise produzida pela nossa equipe sobre a Gestão Contratual em tempos de crise. O enfoque, dessa vez, está nos contratos privados. Apresentaremos soluções para os possíveis problemas surgidos ao longo da execução contratual em tempos de pandemia. Boa leitura!
CONTRATOS PRIVADOS
Possíveis Problemas & Soluções
Pessoas físicas e jurídicas possivelmente já se questionaram acerca deste assunto: como ficará a relação contratual estabelecida com determinada empresa ou pessoa física após as enchentes ocorridas no estado? Poderei extingui-la? Revisá-la? Ou ainda, poderei mantê-la? Ademais, estando a pessoa física ou jurídica no lugar de consumidora, as regras de revisão ou resolução dos contratos é a mesma? Se você, pessoa física ou empresário se perguntou em algum momento no sentido das perguntas acima, sugere-se proceder com essa breve leitura.
Antes, importante ressaltar que o intuito deste informativo não é exaurir por completo cada um dos questionamentos, até porque tudo dependerá de cada caso, sobretudo porque o estado de calamidade ainda permanece, estando inúmeros locais ainda sofrendo com as enchentes. O intuito é chamar a atenção dos leitores para que procurem maiores esclarecimentos com quem é especialista no assunto.
A Força Maior
Em toda relação contratual, há direitos e deveres. Ambas as partes têm, seja por contrato escrito ou não, obrigações a serem cumpridas em determinado tempo, modo, enfim, todas as possíveis situações decorrentes de uma relação contratual. As obrigações, contudo, poderão ser, de certa forma, mitigadas ou até mesmo exauridas em razão de algumas situações, tais como a que se vive na atual conjuntura do Estado do Rio Grande do Sul: as enchentes.
De fato, foi um evento imprevisível para os gaúchos. Agora, em que pese previsível sua propagação em todo território do estado do Rio Grande do Sul, esta foi devastadora, o que configura a força maior.
Pois bem. A força maior nos contratos privados, foco deste estudo, é a chave que dará a possibilidade de o contrato ser extinto, reexaminado, negociado ou até mantido, com algumas ressalvas se for o caso. Tal previsão está codificada tanto no Código Civil quanto no Código do Consumidor, necessariamente, e em outras leis também, conforme será visto.
O que importa para este estudo é saber que a força maior representa uma excludente de responsabilidade.
Em que pese haja essa opção, é necessário se observar sobretudo em contratos escritos, se há uma cláusula que preveja que o devedor da obrigação assume qualquer risco, inclusive os de força maior. Veja-se:
Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.
Logo, ratifica-se: cada caso é um caso. Assim, em tese, em que pese a ocorrência de caso de força maior presente na relação contratual, se a parte devedora assumiu tal risco, terá que suportá-lo, uma vez que anuiu com a cláusula citada. Contudo, não se pode esquecer que há inclusive a possibilidade de declarar nula alguma cláusula que venha de alguma forma onerar excessivamente a relação contratual, sobretudo ante o contexto da decretação de calamidade pública do Estado do Rio Grande do Sul. Tudo dependerá dos fatos e das provas em determinada ação judicial e demandará uma análise mais completa pelos profissionais da área, analisando a viabilidade do caso.
Resolução e revisão à luz do Código Civil.
Quanto à resolução ou até mesmo revisão dos contratos, o Código Civil vai mais direto ao ponto.
Segundo os art. 748, 479, e 480, é possível o devedor pedir a resolução do negócio, por exemplo, no contrato de compra e venda a prazo ou alguma obrigação que deverá ser feita no futuro com um só ato.
Contudo, alerta o artigo que essa possibilidade poderá ser gozada desde que a prestação de uma das partes se torne excessivamente onerosa, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis. As enchentes se enquadram no segundo, conforme já visto.
Resolução e Revisão à luz do Código de Defesa do Consumidor.
De forma bem rápida, já à luz Consumerista, ou seja, relações contratuais onde há um desequilíbrio entre as partes, por exemplo, simples relação de consumo de serviços de internet, compra de passagens aéreas, enfim, a revisão ou até mesmo a resolução dos contratos dispensa a imprevisibilidade, bastando tão somente que venha a acontecer um fato novo, seja ele qual for, para que cause a quebra da base do contrato, e consequentemente a proporcionalidade das prestações, conforme prevê o art. 6º, inciso V da Lei 8.078/1990.
Obrigações de dar, fazer e não fazer.
Agora, se o contrato não necessariamente prevê uma obrigação de pagar e sim a obrigação de dar, fazer ou não fazer, aplica-se os mesmos artigos citados?
Para os casos de relação contratual onde uma das parte se obriga a dar algo em troca e não podê-lo-á fazer ou no caso de a obrigação de fazer ou não fazer algo, em razão das consequências ocasionados pelas enchentes, sobretudo com a impossibilidade de traslados entre municípios e estados, por exemplo, há para esses casos a utilização do Instituto da Impossibilidade de Prestação, conforme artigos 234, 248 e 250 do Código Civil. Como poderei entregar algo se é impossível o translado?
Tais contratos poderão, em tese, ser extintos sem a imputação de perdas e danos, afastando o dever de aplicar eventuais prejuízos causados pela extinção do contrato. Contudo, deve-se proceder com uma análise criteriosa do caso, para não expor o cliente em uma situação desagradável.
Outro ponto importante que se traz à baila para o presente informativo é o seguinte: imaginemos que um contrato entabulado entre as partes não tenha mais razão de existir ante ao contexto da enchente no Rio Grande do Sul. Este poderá ser reputado extinto?
Segundo o Código Civil, em que pese não traga de forma expressa a Teoria da Causa do Contrato, o Enunciado 166 da III Jornada do Direito Civil afirma expressamente que: a frustração do fim do contrato, como hipótese que não se confunde com a impossibilidade da prestação ou com a excessiva onerosidade, tem guarida no Direito brasileiro pela aplicação do art. 421 do Código Civil.
a frustração do fim do contrato, como hipótese que não se confunde com a impossibilidade da prestação ou com a excessiva onerosidade, tem guarida no Direito brasileiro pela aplicação do art. 421 do Código Civil
Logo, diante de um contexto em que se enquadre a teoria acima, há a possibilidade de resolução do contrato sem perdas e danos. Frisa-se: em tese, uma vez que antes de assim proceder, cada caso será examinado de forma isolada.
Manutenção dos contratos.
Pensemos: se pessoa física ou empresário quer manter o contrato e não resolvê-lo, há fundamentos para tanto? A resposta é sim, todavia, dependerá muito do contexto em que se estamos vivendo e da forma com que isso poderá acontecer. Se ambas as partes pretendem manter os contratos tanto na forma inicial ou também muito próximo à redação inicial, não há nenhum problema. O problema surge, contudo, quando uma das partes quer manter o contrato e a outra quer modificá-lo, ante ao contexto do estado de calamidade do Rio Grande do Sul.
Se ambas as partes concordarem, certo que sim, é possível. Tal possibilidade está calcada sobretudo no Grande Princípio da Boa-Fé objetiva, que norteia todo o regramento brasileiro, especialmente nas leis infraconstitucionais, como por exemplo os art. 113, 187 e 422 do Código Civil.
Ademais, a revisão e resolução dos contratos fica em segundo plano com a redação do art. 421-A, o qual estabelece regras para manutenção dos contratos, conforme segue a redação:
Os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e simétricos até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção, ressalvados os regimes jurídicos previstos em leis especiais, garantido também que:
I – as partes negociantes poderão estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação das cláusulas negociais e de seus pressupostos de revisão ou de resolução;
II – a alocação de riscos definida pelas partes deve ser respeitada e observada; e
III – a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada
Logo, percebe-se que há argumentos e dispositivos legais tanto para a manutenção dos contratos quanto para a sua revisão e tudo dependerá, se judicializado o caso, das provas e fundamentações. Portanto, cada contrato deverá ser apreciado de forma minuciosa pelos profissionais da área, de preferência junto ao cliente, para saber nos detalhes todo o contexto.
Outro instituto muito conhecido no Direito Civil e agora expressamente previsto da Lei da Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/2019), no art. 2º em especial, é a concretização máxima dos contratos sob a égide da pacta sunt servanda, ou seja, por uma forma obrigatório das convenções e dos contratos, há a necessidade de manutenção destes.
Outro princípio utilizado para a manutenção dos contratos é o da Função social deste, prevendo situações de manutenção do entabulado, com fulcro sobretudo na autonomia privada, consoante redação dos artigos 421 e 2.035 do Código Civil.
Conforme dito anteriormente, este breve informativo não tem o cunho de exaurir todas as possibilidades de resolução, revisão ou até mesmo manutenção de contratos, quiçá exaurir formas de solucionar algum contrato, seja de cunho igualitário e consumerista.
Tudo dependerá de cada caso.
Por exemplo, nos casos de revisão ou resolução, afirma o Doutor e Mestre em Direito Civil, Dr. Eduardo Nunes de Souza, e o Doutorando e Mestre em Direito Civil, o Dr Rodrigo da Guia Silva, há três grandes grupos de contratos:
- Primeiro grupo: contratos que de alguma forma suportam algum eventual ato normativo, como por exemplo, o Decreto n° 57.596, de 1º de maio de 2024, quando determina o estado de calamidade , ou seja, em nenhum momento as partes gostariam de quebrar com o contrato;
- Segundo grupo: é o caso de contratos que não estão sobre a incidência de nenhum ato normativo, mas está presente a falta de interesse (não econômica) da parte em relação ao seu conteúdo, por exemplo o cancelamento de passagens aéreas; e, por fim, o
- Terceiro grupo: onde há um agravamento do sacrifício econômico para uma ou ambas as partes, caso de contratos de fornecimento entre empresas, empréstimos bancários, etc.
Em qual(is) dos grupos você leitor se enquadra?
Percebe-se que cada caso deverá ser analisado com criteriosidade, observando em qual dos grupos melhor se encaixa e qual a teoria será utilizada.
Diante do contexto atual, entende-se que o maior dos Princípios a ser utilizado é o Princípio da Boa-fé, que norteia todas as relações em sociedade (ou ao menos deveria). Cabe a cada um tentar buscar com o contratado ou contratante a melhor forma para cruzar esse período histórico. Caso esse procedimento não surta efeitos, a Gazen Advogados está à disposição para buscar medidas para solucionar o litígio, seja pela forma administrativa ou judicial.
COORDENADORES
GIOVANI FIGUEIREDO GAZEN
MAURICIO GAZEN
EQUIPE RESPONSÁVEL
PRISCILA JARDIM
SANDRO ULGUIM RAMOS
CARLOS PACHECO
LAURA GAZEN