Artigo Gazen: Possibilidade (ou não) de realização de procedimentos licitatórios durante a vigência do período eleitoral

Para as empresas que atuam no ramo das contratações públicas – e
também para os próprios candidatos -, o período eleitoral no Brasil, que
compreende os três meses que antecedem as eleições, é conhecido por
conter uma série de proibições e restrições quanto a determinadas práticas.
Para este escritório, o maior número de questionamentos gira em
torno da possibilidade (ou não) da realização de procedimentos licitatórios
durante a vigência do período eleitoral.

Importante mencionar, de antemão, que o questionamento é bastante
amplo, devendo ser analisado cada caso concreto para respostas precisas e
assertivas. Contudo, em que pese a existência de inúmeras restrições
quanto à realização de alguns tipos de eventos e ações que possam
influenciar na disputa eleitoral e na lisura e igualdade entre os candidatos,
de maneira geral já é possível afirmar que não há legislação ou norma que
vede totalmente a realização de procedimento licitatório durante a vigência
do período eleitoral.

Pensemos: há serviços básicos e essenciais que não podem ser
interrompidos pelo Estado, sob pena de incorrer em danos irreversíveis.
Somente a título de exemplo, cita-se a compra de medicamentos ou
alimentos para escolas públicas ou, ainda, a prestação de serviços de
limpeza e portaria para órgão públicos. Sem mencionar a contratação de
serviços emergenciais, que na maioria das vezes acontece por razões
inesperadas e imprevistas.

O que deve ser observado, tanto pelos agentes públicos quando da
realização dos trâmites licitatórios quanto pelas empresas privadas, são
algumas ressalvas e alguns limites quanto aos procedimentos licitatórios
realizados durante esse período, os quais são regulamentados pela Lei nº
9.504/1997 (que estabelece as normas para o período eleitoral), como, por
exemplo, as do artigo 73, que destaca as condutas dos agentes públicos no
ano de eleição ou nos três meses que antecedem tal acontecimento:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as
seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de
oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:
VI – nos três meses que antecedem o pleito:
a) realizar transferência voluntária de recursos da União aos
Estados e Municípios, e dos Estados aos Municípios, sob pena de
nulidade de pleno direito, ressalvados os recursos destinados a
cumprir obrigação formal preexistente para execução de obra ou
serviço em andamento e com cronograma prefixado, e os
destinados a atender situações de emergência e de calamidade
pública;
VII – empenhar, no primeiro semestre do ano de eleição, despesas
com publicidade dos órgãos públicos federais, estaduais ou
municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta,
que excedam a 6 (seis) vezes a média mensal dos valores
empenhados e não cancelados nos 3 (três) últimos anos que
antecedem o pleito;

Neste mesmo sentido há a Lei Complementar nº 101/2000 (que
estabelece as normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade
na gestão fiscal), que determina que não pode ser contraída obrigação de
despesa que não possa ser cumprida integralmente dentro do mandato
atual e ainda em vigência:

Art. 42. É vedado ao titular de Poder ou órgão referido no art. 20,
nos últimos dois quadrimestres do seu mandato, contrair obrigação
de despesa que não possa ser cumprida integralmente dentro
dele, ou que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte
sem que haja suficiente disponibilidade de caixa para este efeito.

Tal artigo de Lei não trata especificamente de uma vedação ou de um
impedimento total, mas sim de um limite. Em outras palavras, o limite de
que a Administração Pública até pode contratar, desde que (e aqui está
configurado o limite/restrição) tenha recurso disponível dentro do mandato
atual e em vigência para o pagamento da obrigação do objeto do
procedimento licitatório realizado.

Outrossim, é importante ressaltar que, durante o período eleitoral, os
gestores públicos devem evitar ações que possam ser interpretadas como
propaganda eleitoral antecipada e uso indevido de recursos públicos em
favor de candidatos ou partidos políticos, entre outras práticas que possam
comprometer a equidade do processo eleitoral.

Importante destacar que os próprios Tribunais de Contas já
regulamentaram a matéria sobre a possibilidade de ser realizada licitação no
período eleitoral, citando-se como exemplo a Resolução do Tribunal de
Contas do Estado do Paraná, de nº 3.765/2004, a qual dispõe, de forma
resumida:

“I – Responder a presente Consulta, nos termos do voto escrito,
pela possibilidade de a administração realizar contratos que
ultrapassem o mandato do Prefeito municipal, em face do
dispositivo no art. 42 da Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF, não
existindo restrição para as despesas não liquidadas ou de
obrigações a serem verificadas e exigíveis em exercícios financeiros
posteriores, desde que haja disponibilidade de caixa suficiente para
pagamento das parcelas vincendas no exercício. II – As
disponibilidades de caixa representam a existência de valores
suficientes para o pagamento de encargos e despesas
compromissadas até o final do exercício, incluindo-se as geradas
dentro do próprio exercício e as remanescentes de anteriores.”

Conclui-se, portanto, que não há vedação total sobre a possibilidade
de realização de procedimento licitatório durante a vigência do período eleitoral.
O que passa a existir no referido período são limites e restrições,
sobretudo no que diz respeito a ser contraída uma dívida que somente pode
ser quitada com o orçamento da gestão atual (o cerne da situação gira em
torno, em suma, de questões orçamentárias), sob pena de incorrer em
prejuízo para a Administração Pública, ou seja, em prejuízo para a própria
população.


PRISCILA JARDIM
OAB/RS 126.157

MAURÍCIO GAZEN
OAB/RS 71.456

Gazen Advogados

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