Contrato de obra pública. Suspensão ou rescisão por ato unilateral do Contratado

Exame sob o ângulo dos direitos do contratado

A VISÃO JURÍDICA TRADICIONAL

O regime jurídico do contrato administrativo – como regra – confere poderes à Administração, que o coloca em posição de supremacia sobre o particular necessários para garantir o respeito às finalidades públicas. A finalidade, direta ou indiretamente, há de ser sempre pública, sob pena de desvio de poder.

As prerrogativas do Poder Público contratante se corporificam através das chamadas cláusulas exorbitantes ou de privilégio. Tais cláusulas não são comuns, ou que seriam ilícitas nos contratos entre particulares, por conceder prerrogativas ou privilégios de uma das partes em relação à outra. Elas são indispensáveis para assegurar a supremacia do interesse público sobre o particular.

Dentre as prerrogativas da Administração está a imposição de sanções ao contrato, por atraso ou inexecução total ou parcial do contrato (art. 58, IV), sem necessidade de pronunciamento de qualquer outro poder ou órgão. A Lei 8.666/93 disciplina a matéria nos artigos 86 a 88, inclusive listando os tipos de sanções e assegurando defesa prévia ao interessado.

Independentemente de disposição expressado contrato, a Administração poderá encerrar a vigência do contrato, antes de seu termo final por razões de interesse público, sempre com motivação e assegurado contraditório e ampla defesa, através da rescisão unilateral do acordo.

Ato contínuo, nos casos de serviços essenciais, a Administração poderá ocupar provisoriamente bens móveis, pessoal, e serviços vinculados ao objeto do contrato, a título de cautela para apuração administrativa de faltas contratuais e na hipótese de rescisão do contrato (art.58, V).

Portanto, o particular contratado pela Administração pública está submetido a regras contratuais não isonômicas, ou seja tem o contratante Poder Público superioridade na relação contratual. Isso em nome do dito interesse público.

Entre os privilégios da administração está o da rescisão unilateral do contrato somente poder ocorre por sua iniciativa. Isso numa visão conservadora e que decorre do exame literal do específico dispositivo da LEI 8.666/93, art.79, inciso I, ao final transcrito.

Nessa compreensão, mesmo diante de falha da Administração contratante ( ex. atraso de pagamento superior a 90 dias restaria o contratado pleitear a rescisão amigável ou judicial, não podendo ser sua iniciativa unilateral a tanto. Nesta situação, entretanto , lhe é assegurado a suspensão do contrato.

DIREITO DO CONTRATADO. VISÃO JURÍDICA MODERNA

Sabe-se que aos contratados em geral deve predominar a harmonia obrigacional, vedado o locupletamento de uma das partes gerador do empobrecimento da outra. Muito menos pode uma das parte ser mantida sob jugo da outra ( no caso a Administração Publica descumpridora de suas obrigações), ad infinitum, sob o argumento da supremacia do interesse público ou da necessidade da continuidade dos serviços públicos.

OPONIBILIDADE DA EXCEÇÃO DO CONTRATO NÃO CUMPRIDO

A formulação latina exceptio non adimpleti contractus significa a possibilidade, conferida a uma parte, de invocar o descumprimento de cláusulas contratuais, pela outra parte, para deixar de cumprir obrigações contratuais que lhe cabem. Assim, nos contratos onerosos regidos pelo direito privado, é permitido a qualquer dos contratantes, suspender a execução de sua parte no contrato enquanto o outro contratante não adimplir a sua. A esta suspensão da execução do contrato pela parte prejudicada com a inadimplência do outro contratante dá-se o nome de oposição da exceção do contrato não cumprido (exceptio non adimpleti contractus).

Vimos no tópico anterior, sob o enfoque clássico, que em sede de contrato administrativo firmou-se diretriz inversa, ou seja, o contratado não poderia invocar o descumprimento, pela Administração, de cláusulas contratuais, para eximir-se do cumprimento de seus encargos. Ou seja, a doutrina sempre defendeu a inoponibilidade, contra a Administração, desta exceção do contrato não cumprido, não sendo lícito ao particular interromper a execução da obra ou do serviço objeto do contrato, mesmo que a Administração permanecesse sem pagar pela obra ou pelo serviço.

.

Esta posição é extremamente rigorosa e prejudicial ao particular, pólo sempre mais frágil da relação jurídica administrativa, acabou sendo substancialmente atenuada pela Lei nº 8.666/93

Atualmente, somente pode-se falar com amplo respaldo jurídico em oponibilidade da exceção do contrato não cumprido. Isso porque a oposição, pelo particular, desta cláusula implícita, em nosso entender, resta autorizada quando o atraso do pagamento pela Administração fora superior a 90 (noventa) dias, possibilitando este atraso, ainda, a critério do contratado, a rescisão por culpa da Administração com indenização do particular.

Tal compreensão se ínfera do inciso XV do art. 78 do Estatuto dos Contratos e Licitações, abaixo transcrito:

“Art. 78. Constituem motivo para rescisão do contrato:

(…)

XV – o atraso superior a 90 (noventa) dias dos pagamentos devidos pela Administração decorrentes de obras, serviços ou fornecimento, ou parcelas destes, já recebidos ou executados, salvo em caso de calamidade pública, grave perturbação da ordem interna ou guerra, assegurado ao contratado o direito de optar pela suspensão do cumprimento de suas obrigações até que seja normalizada a situação;”

No meu entender, pode ocorrer que antes de 90 dias torne impossível ou extremamente oneroso para o contratado a prestação do serviço, em virtude de ato ou omissão da Administração Pública

Há também outras 2 exceções em proteção do contratado, no caso a regra consignada no art.78, XIV, Lei nº 8.666/93, quando há ordem escrita da Administração para suspensão de execução do contrato por mais de 120 (cento e vinte) dias. Ou ainda ( inciso XVI do art,78) quando da “não liberação, por parte da Administração, de área, local ou objeto para execução de obra, serviço ou fornecimento, nos prazos contratuais…”

Assim, a paralisação da execução do contrato ocorre por mera deliberação do contratado, uma vez afigurado uma daquelas hipóteses de Lei antes citadas

De outro lado, ora sustentamos, que a Lei nº 8.666 só prevê a possibilidade de rescisão unilateral por parte da Administração, ao espeque do art. 79, inciso I nas hipótese dos incisos do art.78 não listados como exclusivos à unilateralidade rescisória de parte do Poder Público, qual seja: (art.79 inciso I: – determinada por ato unilateral e escrito da Administração, nos casos enumerados nos incisos I a XII e XVII do artigo anterior)

Veja-se que neste rol não se encontram os incisos XIV XV e XVI do art.78. Decorrentemente, qualquer das partes contratantes pode, in extremis, acionar a decisão unilateral nestas hipóteses exclusas de descumprimentos contratuais que foram fechadas para serem acionadas somente por parte do contratante Poder Público.

Refira-se que a jurisprudência majoritária, encabeçada pelo Superior Tribunal de Justiça solidificou-se no sentido do particular não necessitar instigar o Poder Judiciário para só após a prolação de decisão suspender a execução do serviço.

Neste sentido colaciona-se a ementa do REsp nº 910.802/RJ, cuja relatoria ficou a cargo da Ministra Eliana Calmon:

Com o advento da Lei 8.666/93, não tem mais sentido a discussão doutrinária sobre o cabimento ou não da inoponibilidade da exceptio non adimpleti contractus contra a Administração, ante o teor do art. 78, XV, do referido diploma legal. Por isso, despicienda a análise da questão sob o prisma do princípio da continuidade do serviço público. 5. Se a Administração Pública deixou de efetuar os pagamentos devidos por mais de 90 (noventa) dias, pode o contratado, licitamente, suspender a execução do contrato, sendo desnecessária, nessa hipótese, a tutela jurisdicional porque o art. 78, XV, da Lei 8.666/93 lhe garante tal direito.”

Entendemos, entretanto, que em situações especiais, se o prejudicado, mesmo antes desse prazo, ficar impedido de dar continuidade ao contrato por força de falta de pagamento, tem ele direito à rescisão do contrato com culpa da Administração.

O contrário é admitir-se a ruína do contratado por falta contratual imputada à Administração, o que parece ser inteiramente iníquo e injurídico. .Evitando assim que a Administração, que está descumprindo obrigação contratual, se locuplete de sua própria torpeza, o que parece justo e razoável.

CONCLUSÕES:

Diante de todo o exposto, resta conclusivo que:

a) PODE O CONTRATADO PARALISAR A EXECUÇÃO DA OBRA POR SIMPLES COMUNICAÇÃO UNILATERAL AO SEU CONTRATANTE, NAS SEGUINTES HIPÓTESES:

a.1) ATRASO DE PAGAMENTO SUPERIOR A 90 DIAS ( OU MESMO POR PRAZO MENOR QUANDO AS CONSEQUENCIAS FORAM GRAVES NO CASO CONCRETO);

a.2) QUANDO A PARALISAÇÃO DO CONTRATO TER OCORRIDO POR ORDEM DA ADMINISTRAÇÃO E ULTRAPASSE O PRAZO 120 DIAS; a.3) QUANDO NÃO OCORRER A LIBERAÇÃO, POR PARTE DA ADMINISTRAÇÃO, DE ÁREA, LOCAL OU OBJETO PARA EXECUÇÃO DE OBRA, SERVIÇO, NOS PRAZOS CONTRATUAIS..” Incluem-se aqui licenças ambientais. Se o contrato ou o cronograma não prever prazo, adota-se, por analogia, o prazo de 120 dias.

b) PODE O CONTRATADO RESCINDIR A OBRA POR SIMPLES COMUNICAÇÃO UNILATERAL À ADMINISTRAÇÃO, QUANDO NÃO HOUVER EFEITO PRÁTICO A ANTECEDENTE PARALISAÇÃO COMUNICADA, APLICÁVEL A QUALQUER DAS 3 HIPÓTESES ( “ a.1, a,2, a.3” ) ANTERIORES. NO CASO COMUNICA-SE AO CONTRATANTE A PARALISAÇÃO E DESMOBILIZAÇÃO TOTAL, COM EFEITOS DE RESCISAO UNILATERAL.

Obs. PODE SER NECESSÁRIO NESSA HIPÓTESE A BUSCA DA GARANTIA JUDICIAL A TANTO.

Nesta hipótese, para ficar plasmada a lealdade e boa-fé, é fundamental antes da medida já ter registrado ao contratante, a gravíssima situação a que está sendo submetido com a devida quantificação das perdas e as medidas necessárias ao reequilíbrio contratual.

A LEGISLAÇÃO SOB QUESTÃO – LEI 8.666/93

Art. 78. Constituem motivo para rescisão do contrato:

XIV – a suspensão de sua execução, por ordem escrita da Administração, por prazo superior a 120 (cento e vinte) dias, salvo em caso de calamidade pública, grave perturbação da ordem interna ou guerra, ou ainda por repetidas suspensões que totalizem o mesmo prazo, independentemente do pagamento obrigatório de indenizações pelas sucessivas e contratualmente imprevistas desmobilizações e mobilizações e outras previstas, assegurado ao contratado, nesses casos, o direito de optar pela suspensão do cumprimento das obrigações assumidas até que seja normalizada a situação;

XV – o atraso superior a 90 (noventa) dias dos pagamentos devidos pela Administração decorrentes de obras, serviços ou fornecimento, ou parcelas destes, já recebidos ou executados, salvo em caso de calamidade pública, grave perturbação da ordem interna ou guerra, assegurado ao contratado o direito de optar pela suspensão do cumprimento de suas obrigações até que seja normalizada a situação;

XVI – a não liberação, por parte da Administração, de área, local ou objeto para execução de obra, serviço ou fornecimento, nos prazos contratuais, bem como das fontes de materiais naturais especificadas no projeto;

Art. 79. A rescisão do contrato poderá ser:

I – determinada por ato unilateral e escrito da Administração, nos casos enumerados nos incisos I a XII e XVII do artigo anterior;

II – amigável, por acordo entre as partes, reduzida a termo no processo da licitação, desde que haja conveniência para a Administração;

III – judicial, nos termos da legislação;

Gazen Advogados

Ver todos os posts