Diálogo competitivo: diferenças e semelhanças com outros institutos

O diálogo competitivo é uma das maiores inovações trazidas pela Lei nº 14.133/2021, a nova Lei Geral de Licitações e Contratos.

Introduzido como nova modalidade de licitação, o diálogo competitivo representa mais um degrau rumo a uma administração pública consensual e dialogada. Nela, a iniciativa privada é vista como efetiva parceira para propor soluções aos desafios da gestão pública e atender às demandas da sociedade.

Não é pouca a novidade: trata-se de uma autorização, pela lei geral de licitações e contratos (e, portanto, de aplicação nacional), para que agentes públicos se sentem à mesa com privados interessados em lhes fornecer soluções, dialogue com eles e negocie tanto as condições da solução oferecida, como as condições para sua disponibilização.

O diálogo competitivo traz desafios imensos a todos os atores envolvidos em contratações públicas – sejam agentes públicos, sejam potenciais fornecedores de soluções complexas e inovadoras. Nada mais natural: tudo que é novo causa dúvidas. Teremos um longo (e, possivelmente, um tanto quanto tormentoso) processo de aprendizado, tanto para agentes públicos, como para privados.

Nesse sentido, há alguns pontos de intersecção (e não intersecção) entre o diálogo competitivo e outros pontos da nova Lei de Licitações, que poderão gerar dúvidas e questionamentos na escolha (e não escolha) do diálogo para as contratações públicas.

Procedimentos de Manifestação de Interesse

Comecemos pela não-intersecção: diálogo competitivo e procedimentos de manifestação de interesse (PMIs e suas variantes) são institutos diferentes.

Há, de partida, uma coincidência de valores: em ambos, a Administração conta com privados para lhes apresentar soluções inovadoras. Mas a coincidência para por aí, sendo que o diálogo competitivo e o PMI são instrumentos que servem a objetivos diferentes.

No PMI, particulares apresentam estudos que poderão vir a fundamentar uma futura licitação. Assim, o PMI possibilita o diálogo entre Administração e o setor privado na fase dos estudos – etapa prévia, que envolve a fase preparatória da licitação. Previsto na nova Lei como um procedimento auxiliar (art. 82), o PMI não se configura, pois, como um procedimento de contratação em si (tal como o diálogo), inexistindo qualquer garantia de que o objeto dos estudos realizados pelos privados será, efetivamente, licitado pela Administração.

Já no diálogo competitivo, estamos na fase externa de licitação, com um procedimento competitivo devidamente instaurado para a contratação de uma solução técnica apta a satisfazer uma necessidade da Administração, especificada no edital.

Contratações de inovação

O diálogo competitivo serve tanto para objetos complexos, como para objetos inovadores. Complexidade e inovação são características que, normalmente, estão juntas – mas não necessariamente. É possível pensarmos, por exemplo, em objetos altamente complexos, mas que não envolvam, propriamente, uma inovação.

Ademais, o diálogo competitivo certamente pode solucionar parte dos desafios relacionados à contratação de inovação pela Administração, mas não resolve todo o problema.

Contratações de inovação pelo poder público, de forma bastante simplificada, apresentam dois desafios principais: (i) a dificuldade de adaptar as regras de licitação e contrato às peculiaridades da contratação de uma inovação, e (ii) o risco tecnológico em contratações que envolvem o desenvolvimento de novos produtos e serviços.

O diálogo competitivo é capaz de solucionar a primeira dificuldade – a fase de diálogo serve, justamente, para identificar a solução técnica a ser contratada e para modular as condições de fornecimento –, mas não resolve, por si só, a questão do risco tecnológico e as consequências, para a contratação, da não-obtenção do resultado esperado.

Inexigibilidade

Enquanto o diálogo competitivo é uma modalidade de licitação aplicável nas situações em que a Administração não consegue pré-definir uma solução técnica específica, a inexigibilidade de licitação ocorre nas situações em que a competição é inviável, dando ensejo à contratação direta de uma solução em específico.

O diálogo abre a possibilidade de a Administração explorar e conhecer soluções técnicas diferentes, que podem igualmente satisfazer a uma necessidade. Possivelmente, o campo de uso da inexigibilidade ficará mais reduzido – e poderá ser, inclusive, mais questionado.

Ademais, é importante ter em vista que as soluções a serem ofertadas à Administração no procedimento de diálogo competitivo terão cada qual sua especificidade, sendo, em alguma medida, únicas.

Assim, com o encerramento da fase de competição, poderemos ter situações em que haverá apenas uma empresa habilitada na fase de diálogo capaz de oferecer a solução escolhida na fase competitiva. Ainda que o diálogo competitivo seja estruturado em duas fases, poderá haver situações em que restará apenas uma proponente apta a apresentar a solução escolhida.

Contratação integrada

Por meio da contratação integrada – regime de execução contratual incorporado pela nova Lei (art. 46, V), com origem na Lei do RDC –, busca-se capturar inovações e eficiências que podem ser trazidas pela iniciativa privada a partir da alocação da responsabilidade pela elaboração do projeto executivo, ou do projeto básico, aos contratados. Aqui, a licitação será feita por uma das modalidades previstas na Lei, a partir de um objeto definido.

Já o diálogo é uma modalidade de licitação. No entanto, justamente por sua característica de buscar a própria definição da solução técnica a ser contratada por meio desse procedimento, inexistirá, aqui, projeto básico (ou, tampouco, executivo). Assim, se o objeto envolver obras ou serviços de engenharia, o regime de execução inerente ao diálogo será a contratação integrada, regime no qual o contratado terá que desenvolver os projetos.

Além disso, justamente pela abertura à contribuição dos particulares em ambos os procedimentos (no diálogo competitivo, durante a fase de negociação, na qual os habilitados apresentam suas soluções; na contratação integrada, na elaboração dos projetos que definirão as soluções técnicas para a execução do objeto contratual), poderá haver um campo de intersecção entre o uso do diálogo competitivo e do regime de contratação integrada.

Será que poderemos estar diante de situações que, iniciadas como diálogo competitivo, poderiam ter sido mais bem atendidas por uma licitação de concorrência no regime de contratação integrada – ou vice e versa?

Negociar é uma arte (e uma técnica a ser aprendida e aperfeiçoada)

Por fim, deve-se ter em vista que o cerne do diálogo competitivo é a negociação – uma expertise própria, que exige treinamento e habilidades que não se aprendem do dia para a noite.

Teremos um longo processo de aprendizado, com muitos erros pelo caminho. Nesse percurso, temos, todos nós, que contribuir para o aperfeiçoamento do diálogo competitivo, dando a segurança jurídico-institucional necessária para que os gestores possam dialogar com privados e fazer escolhas.

Fonte: Jota.Info

Gazen Advogados

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