A PRESCRITIBILIDADE DAS DECISÕES DE TRIBUNAL DE CONTAS

O JULGAMENTO DO TEMA 899 DE REPERCUSSÃO GERAL PELO STF

O STF decidiu, no último dia 20, sobre a prescritibilidade da pretensão de ressarcimento ao erário fundada em decisão de Tribunal de Contas. O Tema nº 899 de Repercussão Geral, de relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, foi objeto de julgamento por sessão virtual, cuja ata foi publicada em 28/04/2020. A decisão assim dispôs:

É prescritível a pretensão de ressarcimento ao erário fundada em decisão de Tribunal de Contas.

O caso sob análise (RECURSO EXTRAORDINÁRIO 636.866/AL) dizia respeito à expiração do prazo prescricional para execução de condenação decidida pelo TCU em processo de Tomada de Contas Especial ao ressarcimento de danos ao erário, em razão de omissão na prestação de contas por pessoa física, nos termos do art. 58, IV, da Lei n. 8.443/92 (Lei Orgânica do TCU). A União defendia a tese de que as pretensões decorrentes de decisões dos Tribunais de Contas seriam imprescritíveis, já que visavam ressarcimento ao erário. Em um primeiro momento, o Ministro Relator destaca a necessidade de analisar o posicionamento do próprio STF em relação a imprescritibilidade ou não das ações de ressarcimento ao erário decorrentes de ilícitos civis, inclusive os atentatórios à probidade da administração. Nesse sentido, a hipótese excepcional de imprescritibilidade no entendimento do STF exige dois requisitos, quais sejam (i) a prática de ato de improbidade administrativa devidamente tipificada na Lei nº 8.429/92 e (ii) presença do elemento subjetivo do tipo DOLO. Portanto, aos olhos do STF, entende o Ministro Alexandre de Moraes que “somente são imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato de improbidade administrativa doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa”. Assim, o Ministro firma convicção de que, em relação às decisões do Tribunal de Contas que resultem imputação de débito ou multa, não estão presentes as hipóteses de imprescritibilidade, uma vez que tem eficácia de título executivo, sendo, portanto, prescritível a pretensão de ressarcimento ao erário fundada nessas decisões. Nesta linha, traz à baila a previsão contida no art. 71 da Constituição Federal, que trata das funções do Tribunal de Contas da União, dentre elas o auxílio ao Congresso Nacional no exercício do controle externo e fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União, estabelecendo, em seu §3º, que

as decisões do Tribunal de que resulte imputação de débito ou multa terão eficácia de título executivo.

A norma foi disciplinada inclusive pela Lei nº 8.443/1992 (Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União) em seus artigos 23 e 24. Importante destacar que, conforme entendimento do Min. Alexandre de Moraes, em que pese a terminologia utilizada pela Carta Constitucional, através do termo “julgar”, a Corte de Contas não possui exatamente uma atividade jurisdicional, mas sim caráter eminentemente administrativo, nas palavras de José dos Santos Carvalho Filho . Portanto, exemplifica o julgado: Após a conclusão da tomada de contas, com a apuração do débito imputado ao jurisdicionado, a decisão do TCU formalizada em acórdão terá eficácia de título executivo e será executada conforme o rito previsto na Lei de Execução Fiscal (Lei nº 6.830/1980), por enquadrar-se no conceito de dívida ativa não tributária da União. Assim, o Ministro Relator volta a afirmar que a decisão da Corte de Contas não se enquadra na excepcionalidade reconhecida pelo STF quanto a imprescritibilidade, uma vez que no processo de tomada de contas o TCU não perquire nem culpa, nem dolo decorrentes de ato de improbidade administrativa, mas, simplesmente realiza o julgamento das contas à partir da reunião dos elementos objeto da fiscalização. Nas palavras do Ministro Relator “o reconhecimento da imprescritibilidade da pretensão de ressarcimento ao erário fundada em decisão de Tribunal de Contas significa grave ferimento ao Estado de Direito, que exige, tanto no campo penal, como também na responsabilidade civil, a existência de um prazo legal para o Poder Público exercer sua pretensão punitiva, não podendo, em regra, manter indefinidamente essa possibilidade, sob pena de desrespeito ao devido processo legal.” Na decisão em análise, o Relator traz à baila a previsão constitucional sobre as exceções à prescritibilidade:

As exceções à prescritibilidade estão única e exclusivamente previstas na Constituição Federal, no campo punitivo penal, nos incisos XLII e XLIV do artigo 5º: XLII – a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível , sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei; XLIV – constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático; Para o Ministro Relator, o reconhecimento de imprescritibilidade da pretensão de ressarcimento ao erário fundada em decisão de Tribunal de Contas conflita com a garantia do devido processo legal, justamente pelo fato de a Corte de Contas não ter essa competência do “julgar”, como fundamentado retro.

Entende, pois, que a tese da imprescritibilidade prejudica o exercício integral do direito de defesa. Afirma que – em face da segurança jurídica – nosso ordenamento jurídico afasta a imprescritibilidade das ações civis patrimoniais, quanto mais, na hipótese onde o título executivo foi formado perante a Corte de Contas, sem a realização do devido processo legal perante órgão do Poder Judiciário. Pontua, ao final, que o cerne da questão é o reconhecimento de que não há previsão constitucional expressa de imprescritibilidade da pretensão de ressarcimento ao erário fundada em decisão de Tribunal de Contas, sustentando que o ordenamento jurídico adota o princípio da prescritibilidade como essencial à segurança jurídica das relações em sociedade. Afirma que o afastamento excepcional da aplicação do princípio da prescritibilidade conduz à necessária interpretação restritiva do texto constitucional, “por se constituir em uma ressalva destoante dos tradicionais princípios jurídicos que não socorrem quem fica inerte (dormientibus non succurrit jus); ainda mais se tratando, como na hipótese, de ressarcimento ao erário, fundada em decisão de Tribunal de Contas, que nem ao menos analisou o dolo ou a culpa do agente”. Ao final, o Ministro Relator conclui pela aplicação integral do art. 174 do Código Tributário Nacional, cumulado com o art. 40 da Lei nº 6.830/1980, que rege a Execução Fiscal e fixa em cinco anos, respectivamente, o prazo para a cobrança do crédito fiscal e para a declaração da prescrição intercorrente. Como visto, as decisões do Tribunal de Contas não passam por um julgamento que contempla adequadamente os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, nem encontram amparo nas exceções de prescritibilidade existentes na Constituição Federal ou pelo entendimento do STF, de forma que tem caráter de título executivo, prescrevendo em cinco anos a pretensão de sua cobrança.

Leia na íntegra aqui.

Gazen Advogados Maio de 2020.

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