EMENDA CONSTITUCIONAL 106/2020 “ORÇAMENTO DE GUERRA”

EMENDA CONSTITUCIONAL 106/2020 “ORÇAMENTO DE GUERRA”

Publicada em 08/05/2020, a Emenda Constitucional nº 106 institui o regime extraordinário fiscal, financeiro e de contratações para enfrentamento de calamidade pública nacional decorrente de pandemia, nos termos do art. 60, §3º da Constituição Federal, in verbis:

Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: I – de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal; II – do Presidente da República; III – de mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros. § 1º A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio. § 2º A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros. § 3º A emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem. § 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I – a forma federativa de Estado; II – o voto direto, secreto, universal e periódico; III – a separação dos Poderes; IV – os direitos e garantias individuais. § 5º A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa.

A Emenda Constitucional possui 11 (onze) artigos, que serão pormenorizadamente analisados no presente artigo.

O artigo 1º determina que, durante a pandemia – mais especificamente durante o período englobado pela decretação de calamidade pública -, a União adotará um regime extraordinário fiscal, financeiro e de contratações para atender às necessidades dele decorrentes, somente naquilo em que a urgência for incompatível com o regime regular, nos termos definidos na EC.

No artigo 2º é previsto que o Poder Executivo Federal, com o propósito exclusivo de enfrentamento do contexto de calamidade e de seus efeitos sociais e econômicos – no seu período de duração – poderá adotar processos simplificados de contratação de pessoal, em caráter temporário e emergencial, e de obras, serviços e compras que assegurem, quando possível, competição e igualdade de condições a todos os concorrentes, dispensada a observância do § 1º do art. 169 da Constituição Federal na contratação de que trata o inciso IX do caput do art. 37 da Constituição Federal, limitada a dispensa às situações de que trata o referido inciso, sem prejuízo da tutela dos órgãos de controle.

Vejamos o que diz o art. 169, §1º da Constituição Federal:

Art. 169. A despesa com pessoal ativo e inativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios não poderá exceder os limites estabelecidos em lei complementar.

§ 1º A concessão de qualquer vantagem ou aumento de remuneração, a criação de cargos, empregos e funções ou alteração de estrutura de carreiras, bem como a admissão ou contratação de pessoal, a qualquer título, pelos órgãos e entidades da administração direta ou indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo poder público, só poderão ser feitas:

I – se houver prévia dotação orçamentária suficiente para atender às projeções de despesa de pessoal e aos acréscimos dela decorrentes; II – se houver autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias, ressalvadas as empresas públicas e as sociedades de economia mista.

E o art. 37, inciso IX da Carta Constitucional:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

IX – a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público;

Portanto, fica dispensada a observância do §1º do art. 169 no tocante a prévia dotação orçamentária e autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias para os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público.

O parágrafo único do artigo 2º da Emenda Constitucional nº 106 estabelece que a União adotará critérios objetivos, devidamente publicados, para a destinação e distribuição de equipamentos e insumos de saúde imprescindíveis ao enfrentamento da calamidade aos Estados e Municípios.

O artigo 3º determina que as proposições legislativas e os atos do Poder Executivo com propósito exclusivo de enfrentar a calamidade e suas consequências sociais e econômicas, com vigência e efeitos restritos à sua duração e desde que não impliquem em despesa permanente, ficam dispensados da observância das limitações legais quanto à criação, à expansão ou ao aperfeiçoamento de ação governamental que acarrete aumento de despesa e à concessão ou à ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita.

No parágrafo único o artigo traz ressalva: durante a pandemia (e a vigência da calamidade pública decretada) o artigo 195, §3º da Constituição Federal não se aplica. Vejamos o texto constitucional:

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

§ 3º A pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social, como estabelecido em lei, não poderá contratar com o Poder Público nem dele receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios.

Já o artigo 4º da Emenda Constitucional ora em análise traz a possibilidade de dispensa da observância do inciso III do caput do art. 167 da Constituição Federal durante a integralidade do exercício financeiro em que vigore a calamidade pública nacional causada pela pandemia do Coronavírus.

Vejamos o que previa o inciso em comento:

Art. 167. São vedados:

III – a realização de operações de créditos que excedam o montante das despesas de capital, ressalvadas as autorizadas mediante créditos suplementares ou especiais com finalidade precisa, aprovados pelo Poder Legislativo por maioria absoluta;

O parágrafo único do mesmo artigo afirma que o Ministério da Economia publicará, a cada 30 (trinta) dias, relatório com os valores e o custo das operações de crédito realizadas no período em que vigorar a calamidade pública decretada.

O artigo 5º, por sua vez, traz a previsão quanto às autorizações de despesas relacionadas ao enfrentamento da calamidade pública oriunda da pandemia do Coronavírus. No inciso I, determina que deverão constar de programações orçamentárias específicas ou contar com marcadores que a identifiquem. Já no inciso II, a determinação é de que devem ser separadamente avaliadas as autorizações de despesas na prestação de contas do Presidente da República e evidenciadas em relatório previsto no art. 165, §3º da Constituição Federal:

Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão:

§ 3º O Poder Executivo publicará, até trinta dias após o encerramento de cada bimestre, relatório resumido da execução orçamentária.

O parágrafo único do referido artigo trata de Decreto a ser editado em até 15 (quinze) dias após a entrada em vigor da Emenda Constitucional em apreciação, que disporá sobre a forma de identificação das autorizações tratadas no caput do artigo em comento, incluídas as anteriores à vigência da presente Emenda.

O artigo 6º determina que durante a vigência do estado de calamidade decretado, os recursos decorrentes de operações de crédito realizadas para o refinanciamento da dívida mobiliária poderão ser utilizados também para o pagamento de seus juros e encargos.

O artigo 7º traz previsões acerca do Banco Central do Brasil, que – limitado ao enfrentamento da calamidade decretada – fica autorizado a comprar e vender (i) títulos de emissão do Tesouro Nacional nos mercados secundários local e internacional e (ii) os ativos, em mercados secundários nacionais no âmbito de mercados financeiros, de capitais e de pagamentos, com a ressalva de que, no momento da compra, tenham classificação em categoria de risco de crédito no mercado local equivalente a BB- ou superior, conferida por pelo menos 1 (uma) das 3 (três) maiores agências internacionais de classificação de risco, e preço de referência publicado por entidade do mercado financeiro acreditada pelo Banco Central do Brasil.

Dos parágrafos 1º ao 4º há regulamentações acerca dessas operações de crédito excepcionadas ao Banco Central do Brasil.

O artigo 8º também trata do Banco Central do Brasil, ao dispor sobre a edição de regulamentação sobre exigências de contrapartidas ao comprar ativos de instituições financeiras, com vedação especial de (i) pagar juros sobre o capital próprio e dividendos acima do mínimo obrigatório estabelecido em lei ou no estatuto social vigente na data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional; e (ii) aumentar a remuneração, fixa ou variável, de diretores e membros do conselho de administração, no caso das sociedades anônimas, e dos administradores, no caso de sociedades limitadas.

O parágrafo único traz a previsão de que a remuneração variável referida no inciso II do caput do presente artigo inclui bônus, participação nos lucros e quaisquer parcelas de remuneração diferidas e outros incentivos remuneratórios associados ao desempenho.

Já o artigo 9º afirma que em caso de irregularidade ou de descumprimento dos limites desta Emenda Constitucional, o Congresso Nacional poderá sustar, por decreto legislativo, qualquer decisão de órgão ou entidade do Poder Executivo relacionada às medidas autorizadas no presente normativo.

O artigo 10 convalida os atos de gestão praticados a partir de 20 de março de 2020, desde que compatíveis com o teor da presente Emenda Constitucional.

Ao fim, o artigo 11 determina que a presente Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação (08/05/2020) e ficará automaticamente revogada na data do encerramento da calamidade pública reconhecida pelo Decreto Legislativo nº 6 de 2020.

Verifica-se, pois, que a EC 106/2020 flexibiliza regras fiscais, administrativas e financeiras durante o período de calamidade pública,

A nova emenda constitucional estabelece um orçamento específico para os gastos ao enfrentamento da pandemia, permite a criação de despesas sem as amarras atuais, dispensa o Poder Executivo de cumprir a “regra de ouro”, simplifica o processo de compras e contratação de pessoal e também confere poderes inéditos ao Banco Central do Brasil.

Gazen Advogados

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